Fazendo as perguntas certas: como tornar visível a contribuição econômica das mulheres para a sociedade?

(Cristina Bruschini)

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Gênero e trabalho na sociologia latino-americana, Laís Abramo e Alice Rangel Paiva Abreu (orgs), São Paulo;Rio de Janeiro: ALAST/SERT 1998, Série II Congresso Latino-americano de Sociologia do Trabalho, 368 pgs.

O tema do trabalho feminino foi a porta de entrada dos estudos sobre mulher na academia brasileira, mas foi a emergência do feminismo como movimento social que criou as condições necessárias para a legitimação da condição feminina como objeto de estudo.

A própria abordagem e o enfoque sobre o trabalho feminino foi se alterando no decorrer do tempo. A primeira geração de estudos focalizou exclusivamente a ótica da produção. A seguir, teria ,também, seu peso a análise da condição da mulher a partir de seu papel na reprodução da fôrça de trabalho, mas as pesquisas sobre o trabalho feminino tomaram realmente um novo rumo quando passaram a focalizar a articulação entre espaço produtivo e a família. Hoje, é possível afirmar que qualquer análise do trabalho feminino fará bem ao estar atenta à articulação entre produção e reprodução, assim como às relações sociais entre os gêneros.

Ao longo dos anos 70 e 80, paralelamente a esse debate teórico, foi se desenrolando – e aqui a feministas tiveram papel destacado -, um processo de desvendamento e de crítica às estatísticas oficiais disponíveis para pesquisar a atividade econômica feminina, consideradas inadequadas ,para mostrar a real contribuição das mulheres à sociedade.

Reportando-nos a apenas uma das agências oficiais produtoras de estatísticas, o IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, algumas conquistas merecem destaque. No recenseamento nacional de 1980, pelo menos duas contribuições importantes ,provenientes das reflexões teóricas e metodológicas sobre o trabalho feminino podem ser apontadas. A primeira delas se refere à reformulação da pergunta sobre inatividade e a mudança da ordem das alternativas listadas nas questões do Censo. O deslocamento da opção "afazeres domésticos", do início, para o final da lista de alternativas de resposta , teve um efeito significativo na ampliação do número daquelas mulheres que se declararam trabalhadoras. A segunda alteração importante diz respeito ao entendimento do conceito de "chefe de família", deixando de enquadrar automaticamente nesta categoria apenas aquelas mulheres que fôssem viúvas ou separadas.

No Censo de 1991 ainda se introduziu a possibilidade do respondente indicar se trabalhou habitual ou eventualmente nos 12 meses anteriores à pesquisa. Essa mudança, levou muitas mulheres que exerciam atividades esporádicas a se declararem trabalhadoras.

Outra mudança fundamental ocorreria, também, nos anos 90, quando a PNAD realizou um sério trabalho de reconceituação da categoria trabalho. O maior refinamento do conceito favorece , de um lado, a mensuração mais adequada das atividades econômicas desempenhadas por mulheres, mas, de outro, pode vir a provocar vieses na interpretação do aumento da atividade feminina. De fato, a taxa de atividade das brasileiras que era de 39% em 90, eleva-se para 48% em 95, mas este aumento está inflacionado, em parte, pela ampliação do conceito de trabalho.

Longe de ter atingido uma situação ideal, o levantamento de dados sobre a presença das mulheres nas atividades econômicas tem permitido extrair informações úteis sobre o trabalho feminino. O trabalho de desvendamento e visibilização da participação das mulheres na construção da riqueza nacional, entretanto, deve continuar.