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  5. Educação escolar em tempos de pandemia – Informe n.2

INFORME Nº 2 - SIMILARIDADES E DIFERENÇAS NAS REDES DE ENSINO, SEXO E COR/RAÇA

O Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (DFE/FCC), em parceria com a Unesco do Brasil e com o Itaú Social, aplicou no final de abril um questionário on-line, com o objetivo de verificar como as professoras e os professores das redes públicas e privadas do Brasil estavam desenvolvendo suas atividades nas primeiras semanas de isolamento social, conciliando o trabalho com a vida pessoal, e quais eram suas expectativas, naquele momento, para o período pós-pandemia. Parte dos resultados foi divulgada no 1º Informe da Pesquisa: Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica. 

As desigualdades na educação brasileira vêm há décadas pautando a agenda de pesquisa e de ações com foco nas políticas educacionais visando à garantia do direito educacional a todos e com qualidade. Os efeitos da pandemia pela Covid-19 no processo de escolarização de crianças e jovens despertam preocupação na sociedade. Sob diferentes ângulos, a desigualdade educacional tem sido abordada considerando sobretudo o acesso, a qualidade e a permanência na escola, e as desiguais oportunidades na formação e inserção profissional, inclusive na docência.

Com o objetivo de trazer elementos para contribuir com o debate, este 2º Informe apresenta resultados considerando um olhar para similaridades e diferenças entre as redes de ensino públicas e privadas, bem como destacando o recorte de sexo e cor/raça.*

* Não foram considerados, para esta análise, os participantes autodeclarados amarelos e indígenas nas categorias cor/raça e declarados “outros” para sexo, em função da baixa taxa de respondentes. Pelo mesmo motivo, em relação às redes de ensino, não foram também consideradas as escolas públicas federais e as modalidades EJA, Educação Indígena e Educação Especial e Quilombola.

SIMILARIDADES E DIFERENÇAS NAS REDES DE ENSINO, SEXO E COR/RAÇA

Dados da sinopse do Censo da Educação Básica (2019) mostram que 78% dos professores estavam na rede pública e 25%, na rede privada. Na pesquisa “Educação escolar em tempos de pandemia” foi solicitada a indicação da maior jornada de trabalho e 85% dos respondentes indicaram atuar na rede pública de ensino e 15%, na rede privada.
A categoria profissional docente na educação básica é composta principalmente por mulheres. O número de docentes na educação básica vem crescendo nos últimos anos, resultado da ampliação de políticas educacionais, como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), que aumentou os investimentos em educação, assim como as políticas de incentivo ao ingresso no ensino superior (Fundo de Financiamento Estudantil – Fies, Sistema de Seleção Unificada – SiSU). As respostas à pesquisa “Educação escolar em tempos de pandemia” confirmam a representação feminina nas redes públicas e privadas (81%), segundo a maior jornada declarada. As professoras se destacam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, enquanto os homens marcam presença nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
Na análise por cor/raça, a categoria profissional docente é majoritariamente branca. A mudança na composição racial da população brasileira nos últimos anos vem favorecendo um equilíbrio entre professores não negros e negros. Se, em 2002, os não negros tinham uma participação de 62% e os negros de 38% nas redes estadual e municipal, em 2013 eram 55% e 45% respectivamente, segundo o Dieese. Na Pesquisa FCC, professores negros de ambos os sexos estão sub-representados nas escolas privadas, em contraposição a 59% de mulheres brancas. Nas escolas públicas os homens negros estão na rede estadual e as mulheres negras concentram-se na municipal, em especial na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Respondentes

ATUAÇÃO PROFISSIONAL

CONDIÇÕES DE TRABALHO

Com relação à modalidade de contrato de trabalho, há prevalência de professores efetivo/servidor, independentemente do sexo e cor/raça. Docentes brancos de ambos os sexos predominam nas categorias contratado/CLT e temporários, mas são os professores negros que apresentam maior taxa entre os profissionais que declaram não receber ou receber parcialmente seu salário, em especial os que atuam na rede privada.

Os professores negros de ambos os sexos se destacam na rede pública, em que o processo seletivo ocorre principalmente por meio de concurso.

APOIO DA ESCOLA

A maior parte dos professores de todas as redes, no momento inicial da pandemia, considerou ter apoio da escola nas atividades com os alunos. Mas foram os professores da rede municipal aqueles que se sentiram menos apoiados. E foram os professores negros de ambos os sexos que manifestaram percepção de menor apoio da escola.

MUDANÇAS NA ROTINA PROFISSIONAL

A suspensão das aulas presenciais, em razão da quarentena, causou significativas mudanças na rotina profissional na maioria das redes de ensino, em especial nas redes privada e estadual. O uso de novos recursos/ferramentas no planejamento e nas aulas foi apontado como mudança na rotina, principalmente pelos docentes da rede privada.

 
ATIVIDADES REMOTAS

Um aumento na participação em cursos a distância e em reuniões pedagógicas foi destacado principalmente pelos respondentes da rede pública estadual. Já na rede pública municipal, comparada com a estadual e a privada, observou-se menor participação em reuniões pedagógicas a distância.

A suspensão das aulas presenciais resultou em expressivo aumento no uso de formas digitais de comunicação pelos professores com seus colegas, alunos e familiares. Essa informação se articula, de certo modo, com a ampliação no apoio e suporte às famílias dos alunos, com destaque para as redes pública estadual e privada.
 
ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS

Os professores recorreram a diferentes estratégias para garantir o acesso a seus estudantes. Nas escolas públicas foram utilizados materiais digitais via rede social; já os docentes das escolas privadas optaram pelo uso de aulas ao vivo (on-line) e gravadas, mantendo uma rotina remota mais próxima do modelo presencial, que, a princípio, podem favorecer o contato e a interação com os alunos.

Em relação à organização/realização de atividades, ao serem perguntados se dividiam o tempo entre conteúdo, orientações sobre a pandemia e outros temas trazidos pelos alunos, mais da metade dos respondentes informaram não fazer tal divisão. Mas foram as professoras negras as que mais usaram o tempo para articular conteúdos com outros temas, e foram as professoras brancas aquelas a propuseram novas experiências de aprendizagem. Vale lembrar que as mulheres estão mais presentes na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Tanto a rede privada como a pública estadual preocuparam-se em manter o conteúdo da disciplina, sobretudo pelos professores brancos, do sexo masculino.

 
PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS NAS ATIVIDADES REMOTAS

Os professores da rede privada consideraram, no momento da pesquisa, que a maioria de seus alunos tem conseguido realizar as atividades propostas. Os docentes da rede pública municipal se mostraram pouco otimistas em relação à participação dos seus alunos. São os professores homens que menos informaram a respeito. E os professores brancos (homens e mulheres) apresentaram uma percepção mais positiva quanto ao envolvimento dos alunos nas atividades propostas. A taxa de resposta "não têm conseguido" foi maior em respondentes homens negros.

Professores das redes públicas e privadas reportam diminuição da aprendizagem e aumento da ansiedade de seus alunos.

Nas primeiras semanas de atividade escolar remota, 51% dos professores da rede pública reportam uma diminuição da aprendizagem dos alunos e aumento da ansiedade. A rede privada apresentou uma percepção um pouco menor da diminuição da aprendizagem e maior no aumento da ansiedade de seus alunos.

Professores das redes públicas e privadas reportam diminuição da aprendizagem e aumento da ansiedade de seus alunos.

 
RETORNO ÀS AULAS PRESENCIAIS

Considerando um eventual retorno às aulas presenciais, os participantes do questionário assinalaram diferentes estratégias indicadas previamente em uma lista. Para as redes públicas e privadas a principal preocupação é com uma readequação dos modelos de avaliação. Esse resultado é coerente com a percepção dos professores sobre a diminuição da aprendizagem.

A opção de cancelamento do ano letivo, considerada por um número menor de respondentes e sem diferença por sexo ou cor/raça, está mais presente na rede municipal, com o dobro do percentual encontrado por aqueles que atuam nas redes estadual e privada. Sendo a rede municipal responsável pelo atendimento da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, as dificuldades intrínsecas a essas etapas de ensino, incluindo consolidar atividades remotas, podem contribuir para justificar esse resultado.

Os professores da rede pública estadual se mostraram mais favoráveis do que os da rede municipal e privada quanto ao rodízio de alunos para evitar aglomeração e à continuidade do ensino on-line juntamente com o ensino presencial.
Estratégias para o retorno/Concordância dos docentes
Pública Municipal Pública Estadual Privada
Sim Não Sim Não Sim Não
Rodízio de alunos para evitar aglomeração 63% 19% 73% 15% 55% 23%
Continuidade do ensino on-line junto com o ensino presencial 52% 33% 61% 26% 54% 32%
Prorrogação do ano letivo de 2020 até 2021 32% 49% 21% 63% 24% 58%
Cancelamento do ano letivo 17% 66% 9% 79% 8% 80%
Nota: A soma dos percentuais não corresponde a 100%, pois foi desconsiderada a resposta “não sei informar”.
Uma eventual prorrogação do ano letivo para 2021 não é opção desejada por nenhuma das redes, no entanto, entre os professores que responderam afirmativamente, destacam-se os da rede pública municipal e os professores negros.

Neste 2º Informe procurou-se destacar as similaridades e diferenças observadas por redes de ensino e a interseccionalidade gênero e cor/raça. Os resultados apresentados indicam que as professoras e os professores das redes públicas e privadas enfrentam desafios análogos na pandemia, tais como: aumento da rotina profissional, preocupação com a diminuição da aprendizagem e aumento da ansiedade dos alunos. No entanto, são as redes municipais que apresentam as maiores dificuldades no atendimento remoto. São os docentes negros – mulheres e homens – que sinalizaram as maiores dificuldades para garantir o atendimento de seus alunos.

 
Próximos passos

No 3º Informe serão apresentadas as respostas dos participantes da pesquisa acerca de sua percepção quanto à valorização ou não do trabalho docente no contexto atual.

Em breve, será publicado também informe com os dados da pesquisa “Inclusão escolar em tempos de pandemia”, iniciativa coordenada pela UFABC (Universidade Federal do ABC), em parceria com a FCC, FE-USP (Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo) e a UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). A consulta on-line direcionada às professoras e aos professores que atuam com alunos público-alvo da educação especial (alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação), em classe comum ou no atendimento especializado, teve como objetivo identificar quais são os desafios enfrentados para garantir o acesso e a participação desse alunado nas aulas remotas, assim como as estratégias propostas com vistas à efetivação do direito à educação na perspectiva inclusiva.

A FCC continuará desenvolvendo projetos para identificar e compreender a percepção dos professores e estudantes acerca da educação escolar no atual contexto, considerando as especificidades de cada etapa/modalidade de ensino oferecidas em escolas públicas e privadas no Brasil. O conhecimento gerado pretende contribuir para a formulação de respostas educacionais coerentes e equitativas que minimizem os efeitos da pandemia nas oportunidades educacionais de crianças e jovens brasileiros da educação básica.

Sobre a pesquisa

OBJETIVO DO QUESTIONÁRIO: Verificar como as professoras e os professores das redes públicas e privadas estão desenvolvendo suas atividades, como conciliam o trabalho profissional com a vida privada e quais suas expectativas para o período de retorno às aulas presenciais

RESPONDENTES: 14.285 professoras e professores de todas as 27 Unidades da Federação, das/os quais 51,4% mostraram interesse em seguir contribuindo com as próximas fases da pesquisa

PERÍODO DE COLETA: 30 de abril a 10 de maio de 2020

METODOLOGIA: Amostra não probabilística, por conveniência. Foram realizados testagem piloto e ajustes com especialistas da área

QUESTIONÁRIO: 24 perguntas fechadas e 2 abertas

COLETA DE DADOS: Plataforma Survey Monkey

Fundação Carlos Chagas | Departamento de Pesquisas Educacionais

Coordenação: Lúcia Villas Bôas e Sandra Unbehaum

Pesquisadoras: Adelina Novaes, Adriana Pagaime, Amélia Artes, Cláudia Pimenta, Marina Nunes e Thaís Gava

Estatística:  Raquel Valle

Produção editorial e projeto gráfico: Gabriel de Moraes Domingues Conceição, Marcus Vinicius dos Santos Souza, Mario Luiz Veiga Pirani e Pedro Penafiel

Revisão: Adélia M. Mariano Ferreira