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Educação Infantil em tempos de pandemia

Principais achados
  • A pesquisa buscou analisar as ações adotadas pelas redes e instituições de educação infantil nos primeiros meses da pandemia de covid-19 no Brasil, bem como entender os impactos dessa situação em termos de desigualdades educacionais.
  • O uso de novos recursos tecnológicos no exercício do trabalho docente aumentou significativamente durante a pandemia. Nesse contexto, o envio de materiais digitais via redes sociais e a orientação às famílias foram as estratégias pedagógicas mais utilizadas como forma de dar continuidade ao processo educativo na educação infantil.
  • A maioria dos professores e das professoras indicou que a organização do retorno presencial deveria ser feita de forma híbrida, com o ensino remoto aliado à volta gradual das crianças às salas de aula.
  • Os docentes e as docentes manifestaram preocupação com fatores como a convivência entre as crianças e o acesso das famílias à internet. Além disso, o atendimento às especificidades da educação infantil se mostrou insatisfatório, uma vez que o ensino remoto não condiz com essa etapa educacional, caracterizada como um período de desenvolvimento das habilidades sociais e da interação com o mundo externo e o ambiente familiar.

No início de 2020, diante dos primeiros casos de covid-19 registrados no Brasil e da classificação da doença como uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde, houve a suspensão das aulas presenciais e a implementação do ensino remoto. Se por um lado essa decisão permitiu prosseguir com o ensino e procurou mitigar a defasagem escolar, por outro, deu visibilidade às dificuldades enfrentadas por estudantes e professores no processo de aprendizagem a distância. Em específico, para o público da educação infantil — que atende crianças de 0 a 5 anos —, o ensino remoto apresentou um desafio a mais: além de se tratar de uma etapa educacional responsável pelos primeiros momentos de interação com o ambiente extrafamiliar, o uso de equipamentos tecnológicos como computadores, tablets e smartphones é pouco indicado para crianças.

Em vista disso, a pesquisa Educação infantil em tempos de pandemia tem o objetivo de identificar e analisar ações desencadeadas por redes e instituições educacionais durante os primeiros meses de distanciamento social, assim como entender seus impactos no que diz respeito às desigualdades na educação infantil.

As análises aqui apresentadas derivam do estudo exploratório Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica, realizado em 2020 pelo Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, em parceria com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) do Brasil e com a Fundação Itaú Social. No referido estudo, mais de 14 mil docentes de todo o país responderam a um questionário on-line que tinha o propósito de acessar a percepção de professoras e professores da educação básica sobre a experiência inicial com a suspensão das aulas. O subconjunto de respostas dos 1.758 docentes que afirmaram ter maior jornada de trabalho na educação infantil baseia esta pesquisa.

Atuação profissional

Refletindo o cenário da educação infantil brasileira, o perfil majoritário dos profissionais que responderam à pesquisa é formado por mulheres brancas e negras que atuam em instituições pertencentes às redes municipais de educação. Entre os respondentes, mais da metade (55%) tem mais de 11 anos de atuação na área e quase 22% já ultrapassaram os 6 anos de experiência docente. A maioria (70%) trabalha em escolas na região Sudeste e 13%, em escolas no Nordeste. Além disso, a quase totalidade dos docentes que responderam à pesquisa (95,3%) atua em estabelecimentos de ensino localizados em áreas urbanas.

No que se refere ao vínculo com a instituição, mais de 60% dos respondentes são servidores públicos efetivos. Os demais estão divididos entre funcionários contratados por meio do regime estabelecido na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e aqueles admitidos como temporários. Em relação à quantidade de turnos de trabalho, os docentes que atuam em apenas um período correspondem a 47,8% dos respondentes, enquanto 49,5% atuam em dois turnos, concentrados majoritariamente nos horários da manhã e da tarde. Em contrapartida, é pequena a quantidade de professores que trabalham até 20 horas semanais: quase 40% deles têm uma jornada de 31 a 40 horas de dedicação, e outros 35% trabalham entre 21 e 30 horas. Além disso, 14% dos profissionais ultrapassam as 40 horas de trabalho por semana.

Acesso à internet e a equipamentos tecnológicos

Praticamente todos os docentes da educação infantil que responderam à pesquisa afirmaram possuir um celular, e 75%, um notebook em suas residências, com média de 2,25 equipamentos por domicílio. Adicionalmente, o acesso à internet estava disponível de forma satisfatória para 68% dos docentes.

As indicações legais recomendam parcimônia no uso de aparelhos digitais por crianças muito pequenas, mas o acesso a esses dispositivos traz vantagens ao facilitar a comunicação com as famílias, contribuindo para estreitar os laços entre as escolas e seu público durante o período de distanciamento social.

Rotina de trabalho

A rotina de trabalho passou por mudanças significativas, com 68% dos docentes relatando ampliação do uso de novos recursos pedagógicos, especialmente os relacionados às tecnologias. O envio de materiais digitais por meio das redes sociais foi a estratégia mais utilizada pelas escolas, sendo que, de um ponto de vista individual, os professores privilegiaram também o uso de vídeo aulas gravadas.

Além das mudanças nas estratégias, houve aumento na atividade de responder mensagens eletrônicas por meio de diferentes ferramentas, como e-mail, WhatsApp e SMS, para 87% dos professores. Já a participação em cursos a distância cresceu para 73% deles, enquanto o aumento no número de reuniões pedagógicas foi apontado por mais de 65% dos docentes.

Conciliação da vida doméstica com o exercício da profissão

De acordo com 81% dos professores que participaram da pesquisa, em sua maioria mulheres, a quantidade de serviço doméstico aumentou após o início da pandemia. Em comparação com os homens, as mulheres foram as mais afetadas por essa situação.

Percepções sobre engajamento e evasão

Para 35% dos respondentes, o engajamento/motivação das crianças nas atividades realizadas a distância diminuiu. Essa tendência se repetiu na percepção sobre a realização das atividades propostas: 43% dos professores afirmaram que houve diminuição no desenvolvimento das tarefas, e apenas 26% acreditavam que a maioria dos alunos estava realizando os exercícios propostos.

Ainda assim, 27% não souberam informar sobre o engajamento das crianças, e 28% não foram capazes de responder a respeito do percentual de atividades realizadas. Provavelmente, isso se deve ao fato de que a coleta de dados foi feita nos meses iniciais do distanciamento social, sem que houvesse passado tempo suficiente para que os profissionais fizessem essa análise.

Sobre o abandono escolar, metade dos respondentes não soube dizer se houve alguma alteração no risco de abandono ou evasão pelos alunos, embora 24,8% deles tenham afirmado que esse risco aumentou, e outros 23,9%, que ele não mudou.

Relação família/escola

Assim como o observado para as demais etapas educacionais na pesquisa Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica, para 44% dos docentes, a relação entre a escola e as famílias aumentou no período de distanciamento social. Trata-se de uma constatação relevante, uma vez que as crianças pequenas necessitam do apoio de adultos na realização de diversas tarefas. Nesse contexto, a pandemia acabou por revelar a importância da escola e dos professores na vida dos estudantes e suas famílias, bem como a necessidade de se discutir a parceria entre esses atores na educação das crianças.

Essa percepção pode ser notada no depoimento de alguns respondentes que acreditam, entre outras afirmativas, que a pandemia “vai levar a uma maior valorização [da escola e dos professores], pois nada substitui o contato social e a aprendizagem em grupo”, e que “a maioria dos pais reconhece a necessidade do vínculo para a aprendizagem, sobretudo na educação infantil”.

Retorno presencial

Sobre as formas de organização do retorno presencial, 62,4% dos professores acreditavam que deveria haver um rodízio de crianças para evitar aglomerações, e 43% defendiam a continuidade do ensino on-line junto com o presencial. Além disso, 52,2% entendiam que não havia necessidade de reposição das aulas para os estudantes, e 64,5%, que não seria preciso aumentar a carga horária diária para cumprimento das 800 horas anuais. Nesse sentido, 53,1% também afirmaram que não seria necessário prorrogar o ano letivo de 2020 até 2021.

Outras manifestações: a complexidade do contexto

Além dos temas já abordados, os participantes foram convidados a comentar assuntos que não haviam sido contemplados no questionário. Nessa fase da pesquisa, 486 pessoas forneceram informações. Como cada um dos sujeitos pôde fazer mais de um apontamento, houve um total de 495 comentários, a maioria deles relacionada aos seguintes temas: condições e organização do trabalho dos professores; necessidade de atenção às especificidades da educação infantil; dificuldades estruturais das famílias; saúde física e emocional dos profissionais.

De forma geral, o distanciamento evidenciou desafios que já estavam presentes na educação infantil brasileira muito tempo antes da pandemia, como as condições de trabalho dos profissionais; a participação docente nas decisões de política educacional; e a relação entre as famílias e a escola, ainda que esse último aspecto tenha melhorado para 44% dos participantes. Ao mesmo tempo, o novo contexto parece agregar novos elementos a essas dimensões, especialmente no que concerne à interação com e entre crianças, bastante dificultada pelo ensino remoto.

Como resultado, os dados indicam percepções de aprofundamento de desigualdades, sobretudo no que tange ao acesso das famílias à internet e a equipamentos que permitam o contato, mesmo que a distância, entre crianças e seus professores. Soma-se a isso a percepção dos docentes sobre a dificuldade de muitos responsáveis pelas crianças em compreender as orientações e atividades disponibilizadas, além do fato de que muitos deles não têm tempo suficiente para atender a essas demandas, visto que trabalham o dia inteiro, muitas vezes de modo presencial.

Por fim, é preciso destacar que os professores e as professoras também enfrentam dificuldades em lidar com as novas tecnologias digitais, o que exige ações mais efetivas de formação, especificamente voltadas a esses recursos.

Próximos passos

Além da análise das informações disponibilizadas pelos professores no questionário de 2020, a pesquisa incluiu outras atividades, como o aprofundamento do estudo a partir da experiência na rede municipal de São Paulo, com acompanhamento de um grupo focal de docentes. Também foram feitos levantamentos e análises das legislações nacional, estaduais e municipais sobre a educação infantil na pandemia e de notícias sobre o tema nos sites da Secretaria Municipal de Educação e da Prefeitura de São Paulo. O levantamento de dados consolidados pelo Censo Escolar, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) também está em andamento, com finalização prevista para o primeiro semestre de 2022. De forma geral, o distanciamento evidenciou desafios que já estavam presentes na educação infantil brasileira muito tempo antes da pandemia, como as condições de trabalho dos profissionais; a participação docente nas decisões de política educacional; e a relação entre as famílias e a escola, ainda que esse último aspecto tenha melhorado para 44% dos participantes. Ao mesmo tempo, o novo contexto parece agregar novos elementos a essas dimensões, especialmente no que concerne à interação com e entre crianças, bastante dificultada pelo ensino remoto.

Sobre a pesquisa

Estudo: Contornos das desigualdades na educação infantil, no contexto da pandemia
Pesquisa: Educação infantil em tempos de pandemia
Período: 2020 a 2021
Coordenação: Cláudia Oliveira Pimenta e Fabiana Silva Fernandes
Bolsista: Natália Pimenta e Silva
Estatística: Raquel Valle
Projeto temático:  Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica

Fundação Carlos Chagas | Departamento de Pesquisas Educacionais
Coordenação Projeto Temático: Lúcia Villas Bôas e Sandra Unbehaum
Produção editorial e projeto gráfico: Paula Penedo P. de Carvalho, Graciele Almeida de Oliveira, Marcus Vinicius dos Santos, Pedro Penafiel e Mario Luiz Veiga Pirani.
Revisão: Camila Maria Camargo de Oliveira e Gabriella Fernandes Rampinelli

A Fundação Carlos Chagas visa à promoção da igualdade de gênero em todas as suas atividades. Nesta publicação, para facilitar a leitura, em alguns trechos adotou-se o uso dos termos no masculino, considerando as especificidades da língua portuguesa. Contudo, eles se referem igualmente aos demais gêneros.