1. Início
  2. |
  3. Fcc Notícias
  4. |
  5. Gênero, raça e trabalho: os desafios de mulheres no enfrentamento de desigualdades
Avaliação | Processos Seletivos  
Pesquisa e Educação
Concursos
Avaliação | Processos Seletivos  
Pesquisa e Educação
Concursos

 

Gênero, raça e trabalho: os desafios de mulheres no enfrentamento de desigualdades

 

Composição de fundo amarelo, com textura sombreada na cor marrom nas laterais. Sobre o fundo, há o texto: “Gênero, raça e trabalho: os desafios de mulheres no enfrentamento de desigualdades”. O logo da Fundação Carlos Chagas e seus perfis nas redes sociais aparecem em uma barra inferior de cor branca.

|02/05/24

O diálogo sobre a disputa por espaços, sobre a jornada múltipla e sobre o racismo é fundamental para a superação de barreiras construídas historicamente 

Por Jade Castilho

Sojourner Truth, uma mulher negra, ex-escravizada e abolicionista, lutava pela liberdade e pelos direitos das mulheres nos anos 1830 nos Estados Unidos. Durante um discurso em uma conferência pelos direitos das mulheres em Ohio, a ativista questiona os presentes com a frase “Eu não sou uma mulher?”. A fala feita em 1851 ainda provoca reflexões sobre a discriminação sofrida pelas mulheres, em especial as mulheres negras. 

A ativista Clara Zetkin foi uma das primeiras a lutar pelos direitos trabalhistas de mulheres nos anos 1910. A própria criação do Dia Internacional da Mulher em 1975 pela Organização das Nações Unidas (ONU) é reflexo do movimento de luta por melhores condições de vida e trabalho. 

O entendimento das transformações da participação feminina no mercado de trabalho perpassa pelo papel da educação no diagnóstico e na análise de um cenário marcado por desigualdades. O empenho de pesquisadoras feministas do trabalho para entender como as questões de gênero afetam os ganhos e condições das mulheres são antigos no Brasil. 

A Fundação Carlos Chagas foi uma das instituições pioneiras nos estudos de gênero no país, sendo o trabalho uma das vertentes temáticas abordadas. A pesquisadora Maria Rosa Lombardi, membra do Departamento de Pesquisas Educacionais da FCC, foi uma das primeiras a estudar esse tema e como a mão de obra feminina no mercado de trabalho esbarrou na bipolaridade e na dupla jornada de responsabilização das mulheres pelo espaço doméstico e pela família. 

A pesquisadora explica que o mercado de trabalho brasileiro tem suas peculiaridades, as quais compartilha com outros países e regiões do planeta, que já se denominaram subdesenvolvidas, em desenvolvimento, emergentes, terceiro mundo e, atualmente, sul global: “Um desses traços estruturais é a presença de parcela significativa dos(as) trabalhadores(as) na informalidade, segmento do mercado mais vulnerável em termos de direitos trabalhistas e previdenciários, em que se praticam salários e remunerações inferiores aos do segmento formal (aquele com qualquer tipo de vínculo formalizado de trabalho) e onde há prevalência de negros (pretos e pardos), com menor escolaridade formal e mais pobres. E mulheres tiveram e têm presença marcante na informalidade, sobretudo através do carro-chefe ‘emprego doméstico’”.

Maria Rosa comenta que, a partir dos anos 1980 e 1990, jovens mulheres negras procuraram não mais se submeter à vulnerabilidade de suas antecessoras no emprego doméstico em casa de família e as brancas visaram outros horizontes além da maternidade, ampliando suas perspectivas profissionais por meio dos estudos em nível médio e superior.

Segundo a pesquisadora, o movimento e as ações de gerações de mulheres se desdobrou por várias décadas e ainda está em curso: “Como a sociedade não é homogênea, [esse movimento] foi sendo reproduzido em seus múltiplos segmentos, alterando as relações sociais de classe, de gênero, raça e etnia e entre as gerações, todas imbricadas, ou, como algumas feministas definem, interseccionalmente. Isto quer dizer que  pessoas de carne e osso, de classes sociais, raça e gêneros diversos foram adentrando nichos profissionais antes nunca imaginados como adequados às mulheres, ao mesmo tempo em que parcela ainda monumental de trabalhadoras continua em posições submissas e desprestigiadas do mercado de trabalho. E este é outro traço constitutivo do mercado de trabalho brasileiro – e de todos os países ocidentais: a bipolaridade do trabalho feminino, com uma parcela de mulheres disputando os mesmos espaços dos homens em empregos bem pagos e de prestígio e uma outra parcela, maior e muito menos visível em posições subalternas, mal remuneradas e desprestigiadas, como são os serviços de cuidado e o emprego doméstico, para tomar apenas dois exemplos”, relata. 

Para Maria Rosa, o principal desafio para conquistar espaços no mercado de trabalho ainda continua a ser, em primeiro lugar, mulher como gênero e/ou identidade sexual. 

“E com ele vêm todos os preconceitos e estereótipos culturais atrelados ao seu lugar tradicional na sociedade, que têm como centro fulcral a maternidade. Como a luta continua, o trabalho coletivo em sindicatos, associações de classe e outros órgãos de representação profissional, a conscientização das mulheres sobre o sexismo e o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho também continuam indispensáveis”, comenta. 

O saber ancestral e as práticas de fissura

A presença de mulheres negras em profissões tidas como elitizadas provoca mudanças e gera práticas de fissura. Esse novo conceito foi proposto por Adriana Tolentino Sousa em sua tese de doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP). 

A pesquisadora membra do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas inaugura o novo termo na sociologia da educação relacionado às transformações provocadas por mulheres negras que atuam nesses postos de trabalho. 

Para realizar seu estudo, Adriana utilizou bases de dados como a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) e a Pnad contínua, além de mapear informações em portais específicos das áreas selecionadas para a pesquisa. Com a ausência de informações por conta da falta de coleta de dados relacionados à racialidade, foi necessário um mapeamento inédito para identificar a presença de mulheres negras nesses espaços. 

Após a etapa quantitativa, Adriana entrevistou 11 mulheres atuantes nas áreas do Direito, Medicina e Engenharia, profissões de status social, a fim de avaliar questões de raça com relação à trajetória de mulheres negras em posições de prestígio no mercado de trabalho. 

“Pesquisei como as relações raciais se dão no meio dessas profissões, para analisar os conhecimentos gerados por mulheres negras nos trânsitos entre formação e trabalho. Eu entrei em contextos e níveis diferentes dentro dessas profissões. Um dos resultados a que cheguei na minha pesquisa foram as práticas de fissura, esse nome para dar ideia mesmo de movimento, de algo que não está estático, mas sim algo que está acontecendo”, comenta. 

A partir da criação do conceito, a pesquisadora encontrou três características fundamentais. Mulheres negras em posições de alta hierarquia nessas profissões conseguem exercer lideranças horizontalizadas, uma forma de trabalho que impacta positivamente no âmbito das relações e novos modos de se relacionar no ambiente de trabalho, dando visibilidade a todos os participantes da equipe. 

Outro aspecto apontado por Adriana é o impacto causado no momento em que essas mulheres percebem que são únicas e que precisam construir estratégias para outras mulheres negras como elas alcançarem o mesmo espaço. Por fim, ela ressalta os saberes ancestrais como ferramentas fundamentais para o exercício diário em suas profissões. 

“Elas estão alçando mão de um conhecimento que é ancestral. Em seu lugar, individualmente, elas estão trazendo, ao seu modo, formas de fazer e de ser que são ancestrais, que é o conhecimento de gerações no enfrentamento do racismo”, completa. 

Saiba mais
Mulheres negras em profissões elitizadas: as práticas de fissura
Portal Geledés – Instituto da Mulher Negra:  https://www.geledes.org.br/
Portal do Centro de Estudos de Trabalho e Desigualdades: https://www.ceert.org.br/
Lélia González: perfil no portal literafro – literatura afro-brasileira
Sueli Carneiro: perfil no portal literafro – literatura afro-brasileira
Carlos Hazenbalg: entrevista publicada na revista Tempo Social, 18(2), 259-268.