"É preciso incentivar a participação das meninas": pesquisadora comenta a presença e atuação de mulheres nas áreas STEM
Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência reforça a importância de favorecer a formação e a qualificação de meninas nas tecnologias, engenharias e matemática
Em plena Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética disputaram a supremacia na corrida espacial, ao mesmo tempo em que a sociedade estadunidense lidava com o processo de segregação racial entre brancos e negros. Neste contexto, um grupo de mulheres negras matemáticas trabalhava na agência espacial, que posteriormente se transformaria na NASA.
Katherine Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson faziam os cálculos dos projetos espaciais utilizando calculadoras, lápis e papel, antes mesmo da chegada dos grandes computadores. As protagonistas do filmeEstrelas além do tempo (2016), em meio a um cenário de desigualdades de gênero e raciais, foram responsáveis pelo lançamento em órbita do astronauta John Glenn, uma conquista que mudou a corrida espacial na época.
Há décadas o movimento feminista e os estudos de gênero buscam por igualdade de direitos entre homens e mulheres em diferentes espaços sociais, entre eles o da educação e o do trabalho. Na educação é possível verificar importantes avanços, diferente do trabalho onde persistem desigualdades de gênero e de raça.
De acordo com o levantamentoEstatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria das pessoas no país com ensino superior completo são mulheres. Segundo a pesquisa,elas correspondem a 21,3% dos brasileiros com diploma na universidade, enquanto os homens são 16,8%.
Em 2022, as mulheres eram maioria também entre as pessoas que cursam ensino superior no país. Dos 5,1 milhões de alunos matriculados em universidades, 2,9 milhões eram mulheres, o que equivale a 57,5%.
O protagonismo das mulheres na ciência, na pesquisa e no ensino no Brasil tem crescido notavelmente nos últimos anos. Segundo dados da CAPES, dos 407 mil alunos de mestrado e doutorado no Brasil, 224 mil são mulheres, o que representa 55% dos matriculados em cursos de pós-graduação stricto sensu.
Os desafios que as mulheres enfrentam ao buscar uma trajetória consistente na ciência são inúmeros, como as dificuldades em progredir na carreira, os estereótipos sociais sobre o papel da mulher, geradores de preconceito, as dificuldades em conciliar as responsabilidades domésticas, acadêmicas e profissionais, entre outros.
Essa desigual inserção das mulheres tem inspirado pesquisas com foco nas desigualdades de gênero nas profissões e carreiras, bem como ações voltadas ao enfrentamento dessas desigualdades.
Pensando nisso, no dia 11 de fevereiro, se comemora oDia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data, instituída em 22 de dezembro de 2015, na Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), visa conscientizar a sociedade de que a ciência e a igualdade de gênero precisam andar lado a lado.
“As mulheres têm mais anos de escolarização, avançam em profissões predominantemente masculinas, mas ainda estão, em sua maioria, segregadas a atividades de menor prestígio, salários diferenciados. No processo de socialização ainda hoje persiste uma designação do que é culturalmente considerado mais adequado para menina ou menino, é um fenômeno social no mundo inteiro”, afirma Sandra Unbehaum, pesquisadora e responsável pela Coordenadoria de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (CPE/FCC).
Mulheres nas ciências, tecnologias e matemática
Sandra cita a importância de uma educação STEM, movimento que propõe um ensino baseado nas ciências, tecnologia, engenharia e matemática, integradas em uma abordagem interdisciplinar inovadora, que considere a equidade de gênero e de raça. Os nomes vem das quatro disciplinas em inglês: S, de science; T de technology; E de engineering (engenharia); e M de mathematics (matemática).
Um dos projetos relacionados a esse movimento é o Elas nas Exatas. A parceria iniciada em 2015 para apoiar a inserção das meninas nas ciências foi realizada entre Fundo ELAS, Instituto Unibanco, Fundação Carlos Chagas e ONU Mulheres.
Os editais apoiaram iniciativas que promoveram ações que favoreceram a inserção das meninas nas áreas de ciências tecnológicas e exatas por meio da promoção da equidade de gênero e do reconhecimento da escola como um espaço estratégico na promoção dessa transformação.
Outra iniciativa de fomento às meninas nas ciências foi o Garotas STEM, desenvolvido pelo British Council em parceria com o STEM Education Hub e a Fundação Carlos Chagas. Com mais de dois anos de atuação em escolas, universidades, museus e organizações sociais, a iniciativa oferece apoio técnico e financeiro a projetos destinados a alunas do ensino fundamental e médio, que buscam estimular a participação de estudantes de escolas públicas nas áreas científicas e tecnológicas.
Asegunda ediçãoapoiou 30 projetos com propostas de fomentar a equidade de gênero no campo científico por meio da educação, nas cinco regiões do país.
Divisão sexual do trabalho
No âmbito da pesquisa o estudoRelações de gênero nas tecnologias da informação e comunicação (TIC): mercado de trabalho e protagonismo feminino, coordenada pela pesquisadora Maria Rosa Lombardi, buscou dimensionar a participação das mulheres no mercado de trabalho formal da tecnologia da informação (TI).
O estudo combinou estratégias metodológicas quantitativas e qualitativas para compreender, de forma ampla, os dois lados da moeda da presença de mulheres nas tecnologias.
A partir da análise de dados estatísticos e coleta de relatos de entrevistas, a pesquisa constatou que as TIC ainda constituem uma área de trabalho masculina, em que menos de 25% dos postos de trabalho com algum tipo de contrato formal eram ocupados por mulheres em 2020, sem grandes alterações desde 2015.
De acordo com Sandra, é preciso gerar oportunidades para meninas e mulheres de formação e carreira em todos os campos profissionais, sobretudo aquelas vinculadas às áreas tecnológicas e às engenharias e outras onde a presença delas ainda é pouco representativa. Para a pesquisadora, o gênero precisa estar pautado nas políticas educacionais e não somente em espaços de estudo, pesquisa e extensão.
“Ainda estamos longe do ideal, é preciso aguçar nosso olhar para as discriminações de gênero e de raça presente nas práticas educativas. Discutir como isso impacta na educação básica e, consequentemente, nas escolhas que as e os jovens fazem visando uma trajetória profissional. Diversos grupos de pesquisa, coletivos e projetos de extensão vem atuando nesta direção, é fato a existência de iniciativas públicas e mesmo privadas nos últimos anos , mas é preciso que políticas educacionais de gênero cheguem e se consolidem na educação básica, onde tudo começa”, comenta Sandra.
Para a pesquisadora, é importante criar condições efetivas de permanência no processo de escolarização também ao longo da graduação em carreiras que exigem dedicação em tempo integral.
“Dar continuidade e fortalecer iniciativas federais, voltadas a projetos que visam contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação do Brasil, por meio do estímulo ao ingresso, à formação, à permanência e à ascensão de meninas e mulheres nas carreiras de Ciências Exatas, Engenharias e Computação. Essa reivindicação precisa ser permanente como um projeto de sociedade voltado ao enfrentamento das desigualdades sistêmicas, como as de gênero e de raça”, finaliza.
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