Ingresso e permanência de jovens negras no mercado de trabalho
Relatório do projeto MUDE com Elas aborda as desigualdades e barreiras enfrentadas por jovens negras para ingresso, permanência e ascensão profissional no Brasil
“A gente tem que trabalhar dez vezes mais para conseguir o mesmo cargo que um homem hétero-branco consegue fazendo nada”. O trecho da fala de uma mulher negra sobre suas dificuldades no mercado de trabalho foi um destaque na pesquisaA situação de jovens mulheres negras no mercado de trabalho.
O relatório foi produzido peloMUDE com Elascom o objetivo debater e superar as barreiras enfrentadas pelas jovens mulheres negras no mundo do trabalho. O projeto tem dado visibilidade a esse cenário e proposto espaços para diálogo entre empresas, gestores públicos, ativistas, organizações da sociedade civil e as próprias jovens negras, sobre seus olhares para os dados que refletem as desigualdades produzidas pelo racismo, sexismo e outras formas de discriminação.
As pesquisas que integram o relatório do projeto apontam que, desde 2017, o Brasil vem se tornando mais desigual, e, neste processo, o segmento mais afetado é o das jovens mulheres negras.
A partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, entre 2016 e 2021, a taxa de desemprego da população brasileira era de 12,6%. Ao se desagregar os dados em termos de gênero, raça e idade, jovens e mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego.
De acordo com o levantamento, entre as pessoas de 14 a 29 anos, a taxa chegava a 21,9%, entre mulheres negras de todas as idades, a média era de 18,9%. Os dados ainda demonstram que jovens mulheres negras constituem o segmento que menos têm acesso ao trabalho formal no setor privado, além da alta rotatividade com as taxas de baixa permanência no trabalho atual.
Já com relação à média salarial, há uma desvantagem nos rendimentos das pessoas jovens. Em 2021, elas receberam o correspondente a 66,3% da média geral da população ocupada. Quando esse percentual é comparado ao de homens brancos, a disparidade salarial é ainda maior, com mulheres jovens negras recebendo, como remuneração, aproximadamente 46% a menos que homens não-negros.
O estudo ainda reflete sobre o cenário da pandemia de covid-19, decretada, em 2020, como emergência sanitária pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o relatório, a pandemia produziu impactos políticos, sociais, culturais e econômicos que contribuíram para agravar ainda mais esse cenário de precariedades.
A busca pelo trabalho
Em uma segunda etapa, o estudo realizou entrevistas, via formulárioon-line, com 84 jovens mulheres negras da região metropolitana de São Paulo sobre seu percurso de busca por vagas de emprego. Todas elas relataram ter sofrido discriminação em processos seletivos por serem negras/racializadas, mulheres ou ambos. A discriminação é, frequentemente, percebida em relação a seu corpo, principalmente cabelo, adornos e tatuagens e até mesmo seu modo de se vestir. Ter filhos também foi outro fator de dificuldade citado pelas entrevistadas.
Sobre o processo seletivo, apenas duas jovens relataram terem sido entrevistadas por pessoas negras. Ambas afirmaram sentirem-se melhor do que quando são entrevistadas apenas por pessoas brancas.
As violências e violações extrapolam o contexto social, os processos seletivos e chegam ao cotidiano de trabalho. Dentre as jovens que participaram da entrevista, 10% disseram ter chefes negros. No entanto, 87,2% das jovens trabalham em empregos com mulheres em posição de chefia.
A maioria das mulheres ouvidas (69,2%) não se sentiu constrangida ou humilhada por superiores, mas em 45,5% dos casos em que houve discriminação ou constrangimento, a violência foi cometida por um superior.
Marcos legais e políticas de incentivo e acesso a oportunidades de trabalho
Os dados discutidos nos primeiros capítulos do estudo feito pelo MUDE com elas apontam a urgência de empresas, governos e instituições implementarem ações efetivas de combate ao racismo, à desigualdade de gênero e à desvalorização das juventudes.
Alguns marcos legais e políticas públicas são indicadas pela pesquisa como relevantes na promoção de estratégias de mudança e transformação social, como o Estatuto da Juventude, a Lei do Aprendiz, o Plano Nacional de Aprendizagem e a Agenda Nacional de Trabalho Docente para a Juventude.
Os dados levantados pelo relatório revelam aspectos fundamentais para se compreender as desigualdades sociais no Brasil e em como elas se reproduzem a partir dos recortes raciais e de gênero.
Por fim, é preciso considerar, valorizar e produzir um mundo de trabalho que possa promover a criatividade, a abertura para novos modos de vida, a construção de saberes e criação de mundos, para que as mulheres negras, nesse âmbito, possam se ver comosujeitas de direitos e de sua história.
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