Pedagogia performativa da memória: tese premiada aborda a performance como estratégia no enfrentamento de violências
Pesquisa reconhecida na área de Educação debate como a performance pode contribuir na transmissão de uma memória traumática relacionada à violência de Estado na escola
Paralela à formação acadêmica, Marta Haas, vencedora doPrêmio Capes de Tese 2024, sempre atuou no teatro. Desde 2001, a pesquisadora é integrante de um coletivo teatral que realiza diversas pesquisas relacionadas à memória da ditadura com a produção de espetáculos e intervenções cênicas.
Sua tese de doutoradoPor uma pedagogia performativa da memória: performance e testemunho sobre violência de estado na escola, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi reconhecida na categoria Educação.
A vontade em aprofundar a pesquisa sobre teatro e a educação levou Marta a fazer o mestrado e, logo em seguida, o interesse pelo tema da memória a direcionou para uma capacitação nas Clínicas do Testemunho.
O projeto, realizado em convênio com instituições psicanalíticas da sociedade civil por meio de editais públicos, fomenta a implementação de núcleos de apoio, atenção e reparação psíquica aos afetados pela violência do Estado da ditadura. Durante a experiência, Marta conheceu Nilce Azevedo Cardoso, psicopedagoga sequestrada e torturada no período do regime militar implantado após o golpe de 1964.
"Ao observar o trabalho de Nilce surgiu a inquietação inicial da investigação realizada no doutorado, que questiona como a performance pode transmitir a memória traumática relacionada à violência de Estado no contexto escolar", comenta.
O estudo buscou responder como a performance pode contribuir na transmissão de uma memória traumática relacionada à violência de Estado na escola, a partir de uma pedagogia performativa da memória.
De acordo com o conceito explicitado na tese, uma pedagogia centrada na memória de grandes catástrofes e violações dos direitos humanos busca tensionar o passado – sem negar a singularidade de cada acontecimento histórico – e extrair dele uma lição.
"Se a pedagogia da memória visa, a partir de um olhar empático com as vítimas, educar para que as violências do passado não se repitam, uma pedagogia performativa da memória acentua a potência da performance nesse labor, amplificando a sua função reparadora. Reparar, neste contexto, significa reatar laços sociais perdidos e reconhecer a pessoa que sofreu a violência não apenas como vítima, mas como um agente ativo que pode engendrar transformações a partir de um processo participativo de reatualização da memória traumática", afirma Marta.
Para reparar a memória traumática, portanto, é preciso que a responsabilidade pelo que aconteceu se torne algo coletivo, a fim de desnaturalizar a violência e vislumbrar um futuro diferente por meio da imaginação.
A performance na sala de aula
Em sua pesquisa, a doutora aborda a intersecção entre a educação e os estudos da performance, com a possibilidade de ver o corpo como um protagonista no processo de aprendizagem.
Estudos, como o de Marta, têm evidenciado o quanto a performance pode ser transformadora em sala de aula, não apenas como prática artística a ser ensinada, mas como ferramenta de análise.
"Não se trata simplesmente de lembrar que habitamos um corpo e de percebê-lo como instrumento para outra atividade mais nobre, como o pensamento, mas de pensar com o próprio corpo. Se as práticas tradicionais de ensino sobre as catástrofes e as violações do passado muitas vezes levam a um acúmulo de informações, a partir do qual torna-se difícil extrair um aprendizado que também seja reparador, a pedagogia performativa da memória possui uma vocação para a reparação", reforça.
Nesse sentido, uma metodologia performativa do ensino sobre o passado toma o corpo como meio de uma aprendizagem coletiva, o que pode promover a empatia com as vítimas e um sentido de responsabilidade e de reconhecimento de violências traumáticas incorporadas pela sociedade, que ainda não foram narradas ou nomeadas.
"Perceber o caráter repetitivo desse sofrimento e como ele é determinado socialmente, tornando evidente os roteiros e a lógica de seletividade racial nas intervenções violentas do Estado; interrogar a sua naturalização ao reatualizar e reelaborar coletivamente as violências testemunhadas ou sentidas na própria carne; jogar com a ideia de um corpo criativo e criador, que inventa novas formas de atuar na escola e fora dela; reencenar memórias insurgentes e aprender comportamentos alternativos que rompam com os ciclos repetitivos da violência", finaliza Marta.
Incentivo à pesquisa
Com parte do seu percurso acadêmico com o estágio doutoral feito na Universidade Paris Nanterre, Marta ressalta a importância das políticas públicas de incentivo à pesquisa e ciência que tornaram sua trajetória possível.
Desde a graduação em Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pesquisadora foi bolsista de iniciação científica, se estendendo ao mestrado e doutorado com apoio financeiro da própria Capes.
Para ela, a premiação para a ciência brasileira, além de reconhecer e valorizar os pesquisadores e as respectivas instituições, evidencia a importância de políticas públicas que garantam a continuidade e o aprofundamento da pesquisa.
"Outro aspecto importante de uma premiação é a popularização da ciência ao divulgar pesquisas socialmente relevantes, nas mais variadas áreas, para um público mais amplo, que vai além da academia", completa.
Saiba mais
Prêmio CAPES de Tese
Instituído em 2005, o Prêmio Capes de Teses é concedido anualmente às melhores teses de doutorado defendidas e aprovadas nos cursos de pós-graduação reconhecidos pelo MEC, selecionadas em cada uma das áreas do conhecimento da Capes, considerando os quesitos originalidade e qualidade. Informações e inscrições no site da Capes.
Premiada:Marta Haas
Instituição:Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Orientador:Gilberto Icle