Especialização em educação especial e inclusiva no Brasil é tema de pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas
Estudo coordenado pela pesquisadora Adriana Pagaime analisou concepções de deficiência em cursos de formação continuada de professores oferecidos no Brasil
Jade Castilho
23/10/2025 17:05:01
Em 2024, oCenso Escolarregistrou 2,1 milhões de matrículas na educação especial (alunos com deficiência, transtorno do espectro do autismo, altas habilidades/superdotação), um aumento de 17,2% em relação a 2023, segundo dados divulgados pelo Ministério da Educação (MEC).
Ao mesmo tempo, vem se constatando o aumento da demanda de professores em busca de formação continuada e da oferta de cursos de especialização, principalmente de instituições privadas e na modalidade à distância.
No Brasil, as políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência, assim como a formação para educação especial inclusiva, devem ser pautadas no modelo social de deficiência, de acordo com aConvenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), que tem status constitucional desde 2009, e que rompe com o modelo médico, ampliando a compreensão de deficiência, antes centrada nas condições do corpo do indivíduo e agora com foco nas barreiras impostas pela sociedade.
Com o objetivo de identificar as concepções de deficiência adotadas nos cursos de Especialização em Educação Especial e Inclusiva, ofertados no Brasil, a Fundação Carlos Chagas realizou estudo a partir da análise de documentos de cursos cadastrados na base de dados e-MEC, tendo em vista os princípios da CDPD, da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) e da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).
Coordenada porAdriana Pagaime, doDepartamento de Pesquisas Educacionais(DPE) da FCC, e Maria Eloísa Famá D’Antino, então Pesquisadora Visitante do DPE, os resultados foram apresentados no simpósioEquidade na educação: recursos e práticas educativas para a inclusão de crianças com deficiência, no10° Congresso Internacional de Direitos Humanos de Coimbra, em Portugal.
A pesquisa identificou 5.211 cursos ativos no país, em fevereiro de 2023, com títulos que continham a expressão educação especial e/ou inclusiva. Para a análise foram considerados aqueles cadastrados na área da educação, sem ênfase em uma única deficiência ou etapa educacional. Em um total de 1.048 cursos que atenderam a esses critérios, destaca-se que apenas 28 são ofertados por instituições públicas.
O acesso à página de cada curso e às respectivas ementas e matrizes curriculares foi possível para 327 deles, a partir do site de cada instituição. O levantamento observou que a proposta de capacitar, habilitar e/ou preparar para atuar com o público da educação especial está presente em quase todos, contudo há erros conceituais e de terminologia, como o uso de “alunos com necessidades especiais”, “portadores de dificuldades” e de outras expressões que são utilizados para substituir a palavra “deficiência”.
Com relação à legislação, foi observado que apenas quatro cursos, ofertados por instituições públicas, citam a CDPD. A LBI foi textualmente contemplada em apenas cinco cursos (quatro públicas e uma privada). Já a PNEEPEI foi referenciada por 22 dos 327 cursos analisados.
O mapeamento constatou a forte influência do modelo médico de deficiência, que concebe a deficiência como algo a ser tratado pela área da saúde, com grande apelo ao atendimento terapêutico e a pouca referência aos aspectos pedagógicos.
Outra marca do modelo médico se apresenta na indicação dos destinatários dos cursos, para além de professores e outros profissionais da área da educação, mas também a psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, enfermeiros, assistentes sociais e até médicos, reforçando a ideia de atuação desses profissionais em escolas das redes regulares de ensino, nas salas de recursos, além de escolas especializadas e clínicas.
A pesquisa problematiza ainda a ideia da educação especial como mercado que precisa se atualizar, com cursos de mais de 400 horas ofertados em curta duração, por instituições privadas e na modalidade EaD, mas que estão centrados nos paradigmas da educação especial e da legislação dos anos 1990 e 2000.
Durante a apresentação da pesquisa, Adriana sinaliza que os resultados indicam que os cursos de especialização do país não se mostram alinhados à CDPD e a atual política de educação inclusiva e coloca o questionamento: “como docentes, futuros especialistas em educação especial e inclusiva, podem ser formados para essa mudança na concepção de deficiência na perspectiva dos direitos humanos, se mantemos uma formação pautada em conceitos desatualizados e que reforça o estigma da deficiência como um problema do indivíduo?”.
A pesquisa chama a atenção para que haja diretrizes para a formação continuada, em busca de uma educação anticapacitista.
Nova linha de pesquisa
O estudo faz parte da linha de pesquisaPolíticas e práticas inclusivas: deficiência, tecnologia assistiva e anticapacitismo, lançada pela Fundação Carlos Chagas em setembro de 2025 e coordenada por Adriana Pagaime. Inserida no grupoEducação e Trabalho: gênero, raça e deficiência na perspectiva dos direitos humanos, do DPE, a linha fundamenta-se na CDPD e no modelo social de deficiência.
A linha está dedicada às pesquisas voltadas para as políticas públicas de inclusão escolar, acesso, permanência e participação na educação básica, na educação superior e no mundo do trabalho, em interlocução com os marcadores sociais de gênero, raça e nível socioeconômico.
O lançamento foi realizado durante o 1º Seminário de Educação Especial Inclusiva: contextos, desafios e possibilidades e marca o compromisso da FCC com uma educação de qualidade e inclusiva no Brasil.