Memória, resistência e futuro: pesquisador comenta desafios do envelhecimento da população LGBT e a garantia de direitos
Estudo realizado em Belo Horizonte revela dificuldades no acesso a serviços públicos, o impacto do isolamento e a importância de políticas voltadas à velhice com dignidade
Brenda Teixeira e Jade Castilho
27/06/2025 13:33:41
"Envelhecer LGBT+: Memória, resistência e futuro" são temas da 29ª edição da Parada LGBT+ de São Paulo em 2025, realizada no último domingo, dia 22 de junho. Considerado o maior evento de celebração da diversidade LGBT+ no mundo, a Parada na capital paulista se volta à reflexão e promoção do diálogo sobre o envelhecimento dessa população.
Organizada pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOLGBT-SP), a Parada SP se consolidou como uma manifestação social que reivindica direitos, promove a visibilidade e celebra a diversidade, com ações políticas e afirmativas.
Enquanto se discute o processo de envelhecimento saudável, especialmente com o aumento da expectativa de vida da população brasileira, a comunidade LGBT+ ainda enfrenta o abandono, a invisibilidade e a falta de políticas públicas para garantir uma velhice digna e segura.
O que significa ser uma pessoa idosa LGBT+ em Belo Horizonte? Quais os desafios, questões, angústias e necessidades de mulheres lésbicas, homens gays, travestis, pessoas trans e outras identidades de gênero e sexualidade dissidentes com mais de 60 anos na capital mineira? Quais formas de discriminação experimentam, por serem idosas e por serem LGBT+?
Essas foram algumas perguntas que nortearam o projetoEnvelhecimento da população LGBT: diagnóstico sobre o longeviver e o acesso aos serviços públicos municipais, fruto da parceria entre o Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero (Diverso UFMG), e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, traçou um diagnóstico do envelhecimento da população LGBT+ na cidade.
Um dos coordenadores do projeto de pesquisa é Pedro Augusto Gravatá Nicoli, professor e coordenador do curso de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde 2016, um projeto de extensão na Universidade já coletava dados e mapeava características da comunidade LGBT+ por meio da aplicação de questionários na Parada LGBT+ na cidade, especialmente por conta da ausência expressiva de dados sobre essa população no Brasil como um todo.
Com a parceria firmada com a Prefeitura em 2018 e 2019, o grupo de pesquisa desenvolveu o protocolo metodológico para caracterização dos perfis dessa população LGBT+ com mais de 60 anos a partir das histórias de vida.
Para coletar essas histórias de vida, pesquisadores do projeto realizaram entrevistas com pessoas da comunidade. Pedro relata que, ao todo, foram feitas 75 entrevistas, detalhadas norelatório completo disponível no site do Diverso UFMG.
"Coletamos, com as entrevistas, histórias de vida [de pessoas] envolvidas com violência no passado. Agora, essas pessoas conseguem ter mais tranquilidade, segurança e acesso aos direitos básicos? A resposta que encontramos é não, definitivamente não. O que a gente vai entender do conjunto de informações que coletamos é que, de fato, ainda existe uma dificuldade muito expressiva do acesso aos direitos, de forma integral", comenta o pesquisador.
Os dados levantados nessas entrevistas de história de vida foram divididos em oito temas que compõem os capítulos do relatório, são eles: subjetividades e envelhecimento; sexualidade e identidade de gênero; violências e discriminações; cuidados e instituições de longa permanência (ILPIs); saúde; cultura, lazer e ativismo político; acesso à renda e empregabilidade; serviços públicos.
"O acesso a esses direitos, digamos, de se relacionar e viver uma vida boa, está muito muito distante de ser efetivamente uma coisa vivida de maneira plena e positiva. A realidade do isolamento da solidão ainda é muito própria", detalha Pedro Nicoli.
Negar o envelhecimento é negar o presente
A escassez de espaços públicos seguros e acolhedores contribui para o isolamento vivenciado por pessoas idosas LGBT+. Essa falta de convívio e de vínculos sociais aparece com frequência nos depoimentos analisados pelo projeto, evidenciando que o impacto da negligência institucional aprofunda desigualdades.
Em um contexto em que o Brasil envelhece rapidamente, o modelo tradicional de cuidado, baseado quase exclusivamente na família, mostra-se limitado. Para aquelas pessoas cujas trajetórias foram marcadas por rompimentos familiares, como muitas pessoas LGBT+, essa estrutura se torna ainda mais frágil. O envelhecimento, que já é um desafio em qualquer grupo, torna-se mais vulnerável quando atravessado por preconceitos e exclusão.
Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, como o casamento civil igualitário e o direito à identidade de gênero, a velhice ainda é uma etapa pouco considerada nas lutas por reconhecimento e pertencimento. Inclusive dentro da própria comunidade LGBT+ pessoas mais velhas muitas vezes não se sentem acolhidas, enfrentando formas sutis de silenciamento.
A escolha da Parada de São Paulo em destacar o envelhecimento como tema central ganha, assim, relevância simbólica e política. A pauta amplia as discussões sobre quais corpos e trajetórias são valorizados ao longo da vida e chama atenção para a necessidade de construir políticas, narrativas e afetos que garantam às pessoas dessa comunidade uma velhice digna, segura e plena.
Para Pedro Nicoli, a mudança passa por um pacto entre gerações: "Essa população precisa ter o direito a um presente feliz. E essa aliança das pessoas que ainda não chegaram nessa idade, que pretendem, junto a essas pessoas, construir um mundo que, para elas, seja bom, é talvez o único movimento possível para que o futuro também seja digno para todos".
Mais do que projetar o futuro, a discussão sobre o envelhecimento LGBT+ diz respeito ao presente de quem já chegou lá, e evidencia a urgência de uma ação coletiva que reconheça essas existências. Afinal, garantir esse direito hoje é também construir as condições de um futuro mais justo e inclusivo.
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