No prato e na aprendizagem: o papel do nutricionista na alimentação escolar
Saiba como esses profissionais apoiam a execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar e garantem refeições a 40 milhões de estudantes no Brasil
Brenda Teixeira
01/09/2025 17:04:50
O Dia do Nutricionista, celebrado em 31 de agosto, é uma oportunidade para destacar a importância desse profissional que, além de atuar em clínicas e hospitais, desempenha um papel estratégico na alimentação escolar. No Brasil, esse trabalho se materializa principalmente noPrograma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), uma das políticas públicas mais abrangentes do país, responsável por garantir refeições a mais de 40 milhões de estudantes diariamente.
Presente desde a década de 1950, o programa se consolidou como um dos pilares da educação pública, integrando saúde, segurança alimentar e aprendizagem. Reconhecido internacionalmente, o PNAE é referência em universalidade e intersetorialidade, alcançando desde crianças em creches até jovens, adultos e idosos da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
“Trabalhar com essa política é ter a certeza de que estamos empenhados em garantir o direito humano à alimentação adequada”, afirma Tainá Marchewicz, nutricionista do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão responsável pela coordenação nacional do programa.
O que é o PNAE?
Criado em 1955, inicialmente com ações pontuais de alimentação escolar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar adquiriu abrangência nacional em 1979. Regulamentado pelaLei nº 11.947/2009, o PNAE garante refeições diárias a todos os alunos da rede pública de educação básica, além de escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas conveniadas. O objetivo é contribuir para o crescimento, o desenvolvimento biopsicossocial e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que atendam às necessidades nutricionais durante o período letivo.
Em 2025, o programa completa 70 anos de existência, consolidando-se como uma das políticas públicas mais longevas e abrangentes do país, reconhecida internacionalmente pela integração entre saúde, educação e segurança alimentar.
O governo federal repassa os recursos a estados e municípios, em até oito parcelas anuais, de acordo com o número de estudantes matriculados no Censo Escolar. Já as escolas da rede federal recebem em parcela única, por meio de descentralização de créditos orçamentários.
O trabalho de nutricionistas como peça chave
A presença do nutricionista no PNAE é uma exigência legal e não opcional. Em 2024, o Conselho Federal de Nutricionistas publicou aResolução nº 789/2024, que reforça responsabilidades e parâmetros mínimos de atuação. A ausência desse profissional pode, inclusive, suspender repasses de recursos.
“O nutricionista é o único profissional habilitado a elaborar os cardápios, mas também supervisiona a compra de alimentos, acompanha licitações, treina merendeiras e se conecta com professores, gestores, pais e estudantes. É um papel de integração da comunidade escolar”, explica Tainá.
Entre as atribuições, estão elaborar cardápios para cada etapa da educação, adaptar refeições às características regionais e culturais, atender alunos com restrições alimentares e incluir ações de educação alimentar nos projetos pedagógicos. Cada cardápio considera idade, necessidades nutricionais e sazonalidade dos alimentos, valorizando a produção local.
A nutricionista destaca que a forma como os alimentos são apresentados pode influenciar diretamente na aceitação das refeições pelos estudantes. Muitas vezes, uma simples alteração na textura já é suficiente para que o alimento seja consumido e não desperdiçado. Esse cuidado faz parte da educação alimentar e nutricional, que inclui testes de aceitabilidade e diferentes estratégias de adaptação antes da exclusão de um item do cardápio. Para além do refeitório, essa abordagem também se conecta ao currículo escolar: receitas podem ser exploradas em aulas de matemática, os alimentos podem ser estudados em ciências e até plantados em hortas, em parceria com agricultores familiares. Segundo Tainá, “a educação alimentar e nutricional é ampla, envolve toda a comunidade escolar, e impacta tanto na aceitação da refeição quanto no processo de aprendizagem”.
Para milhões de estudantes, a alimentação escolar não é apenas um complemento, mas a principal refeição do dia. “Comer é aprender. Não existe educação sem alimentação escolar”, resume a nutricionista.
Quais são os valores repassados por aluno?
Confira o repasse, conforme aResolução CD/FNDE nº 06/2020:
Art. 47 O FNDE transferirá recursos financeiros de forma automática, sem necessidade de convênio, ajuste, acordo, contrato ou instrumento congênere, nos termos do disposto naLei nº 11.947/2009, para aquisição exclusiva de gêneros alimentícios, processando-se da seguinte forma:
I – o montante de recursos financeiros destinados a cada EEx, para atender aos alunos definidos no art. 6° desta Resolução, será o resultado da soma dos valores a serem repassados para cada aluno atendido e será calculado utilizando-se a seguinte fórmula:
VT = A x D x C (sendo: VT = valor a ser transferido; A = número de alunos; D = número de dias de atendimento; C = valor per capita
para a aquisição de gêneros para o alunado).
Mesmo consolidado, o programa enfrenta desafios. Muitos municípios contam com apenas um nutricionista para toda a rede, e os salários nem sempre refletem a importância do cargo. Há ainda barreiras logísticas: em regiões ribeirinhas, os alimentos podem levar mais de 12 horas para chegar às escolas, que às vezes não têm energia elétrica para armazená-los em geladeiras ou freezers.
Outro ponto é o financiamento: o PNAE é suplementar e exige contrapartida de estados e municípios, o que nem sempre ocorre. Ainda assim, avança em direções estratégicas. Um exemplo é a agricultura familiar, que deve fornecer no mínimo 30% dos alimentos comprados. A regra fortalece economias locais e valoriza tradições alimentares, além de incentivar o protagonismo feminino no campo, já que metade das compras de agricultores individuais deve ser feita em nome da mulher da família.
Essa valorização da cultura também aparece em iniciativas como aCatrapoa(Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos da Amazônia), criada para adaptar o PNAE às realidades específicas de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. “Embora tenhamos um marco legal robusto, ainda enfrentamos muitos desafios para contemplar todas as diferenças regionais”. A Catrapoa surgiu para fomentar que a compra de alimentos seja feita localmente, respeitando tradições e garantindo o autoconsumo nas próprias comunidades”, explica Tainá.
Segundo ela, a experiência da Amazônia inspirou a criação de comissões semelhantes em outras regiões, inclusive em áreas com forte presença quilombola. “O PNAE precisa dialogar com a diversidade cultural do Brasil, e comissões como essa garantem que a alimentação escolar também seja um espaço de valorização da identidade alimentar dos povos tradicionais”, completa.
Também houve avanços em termos de qualidade. Em fevereiro de 2024, uma nova resolução reduziu de 20% para 15% o limite de recursos que podem ser aplicados em ultraprocessados. A meta para 2025 é chegar a 10%, priorizando arroz, feijão, frutas, legumes e carnes frescas.
Emergências e controle social
O PNAE também se mostra uma política relevante em situações emergenciais. Durante a pandemia de covid-19, a lei foi alterada para permitir a entrega de kits de alimentos diretamente às famílias. Só em 2020 e 2021, foram mais de R$ 780 milhões extras repassados. Após as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, uma resolução autorizou repasses emergenciais de mais de R$ 25 milhões para manter a alimentação dos estudantes.
Para fiscalizar o programa, os Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) acompanham de perto a qualidade da alimentação e a aplicação dos recursos, enquanto o FNDE, o TCU (Tribunal de Contas da União), a CGU (Controladoria-Geral da União) e o Ministério Público garantem a execução financeira adequada. A própria comunidade escolar participa do controle social, por meio de associações e unidades executoras.
Mais que uma política educacional, o PNAE consolida o direito humano à alimentação adequada, reconhecido pela Constituição de 1988 e por tratados internacionais. Com mais de 70 anos de história, é referência internacional: delegações de países como Angola e Paraguai já visitaram o Brasil para entender como funciona um programa capaz de servir milhões de refeições todos os dias.
“Eu sempre quis atuar de forma coletiva, com políticas públicas. O PNAE é essencial não só para a educação, mas para a segurança alimentar e nutricional. Ele assegura o direito fundamental de cada estudante a uma refeição adequada”, conclui Tainá Marchewicz.
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