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Primeira Universidade Federal Indígena atende demanda histórica do ensino superior brasileiro

A Unind foi oficializada por meio de projeto de lei e tem como propósito fortalecer saberes tradicionais em diálogo com o conhecimento acadêmico não indígena

Guilbert Inácio

Publicado em:

01/12/2025 19:28:57

Na última quinta-feira (27), o governo federal enviou ao Congresso o projeto de lei (PL) que cria duas novas universidades públicas. Uma delas, aUniversidade Federal Indígena (Unind), é umapauta antiga dos povos originários.

A iniciativa busca promover prioritariamente a formação de indígenas a partir de um modelo educacional que fortaleça as identidades e os saberes tradicionais em diálogo com o conhecimento acadêmico não indígena.

A criação da universidade foi discutida, dirigida e organizada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI). A instituição terá sede em Brasília, mas atuará em rede com outras instituições federais e poderá ser constituída de forma multicêntrica, de modo a garantir as especificidades de diferentes povos indígenas do país — atualmente, o Brasil tem 391 etnias que falam 295 línguas indígenas.

A depender do tempo de aprovação no Congresso, a Unind será estruturada e construída ao longo de 2026, com previsão de início das atividades em 2027, com os seguintes pilares: 

  • Autonomia dos povos indígenas com a promoção de ensino, pesquisa e extensão sob uma perspectiva intercultural;
  • Valorização de seus saberes, línguas e tradições;
  • Produção de conhecimento científico em diálogo com práticas ancestrais;
  • Fortalecimento da sustentabilidade socioambiental;
  • Formação de quadros técnicos capazes de atuar em áreas estratégicas para o desenvolvimento dos territórios indígenas.

A universidade terá como prioridade a matrícula de pessoas indígenas, mas também aceitará outros públicos interessados nas temáticas educacionais e culturais dos povos tradicionais.

Os cursos de graduação e pós-graduação sugeridos serão ofertados de acordo com o interesse dos povos originários, como gestão ambiental e territorial, gestão de políticas públicas, sustentabilidade socioambiental, promoção das línguas indígenas, saúde, direito e agroecologia. 

"Ao reconhecer as ciências indígenas e promover um diálogo igualitário com outras ciências e tecnologias, a Unind vai permitir aprender sem romper raízes. Foi por isso que desde o início, nós sabíamos que este projeto precisava nascer da escuta dos povos indígenas", destacou a ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, durante cerimônia de assinatura do Projeto de Lei no Palácio do Planalto, em Brasília, comtransmissão ao vivo no canal do Ministério da Educação (MEC), no YouTube.

Outras experiências semelhantes já existem ao redor do mundo. A primeira Universidade voltada para os povos originários foi a First Nations University of Canada (FNUniv), no Canadá, fundada em 1976 por meio de um acordo entre povos tradicionais de Saskatchewan e a Universidade de Regina. Países como México, Equador, Nicarágua e Estados Unidos também têm universidades com essa proposta.

Contribuições históricas

A Unind é resultado de uma longa trajetória de iniciativas públicas e reivindicações sociais dos povos indígenas por seus direitos. 

Um marco dessa história foi o ato de Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro, quepintou o rosto na Assembléia Nacional Constituinte de 1987para denunciar a exclusão dos direitos indígenas nos debates da criação da Constituição de 1988.

O feito auxiliou na aprovação dos artigos 231 e 232, que asseguram direitos dos povos tradicionais. A carta determinou que o direito à terra é originário e não alienável, ou seja, anterior à criação do Estado. Com isso as terras, onde vivem os indígenas, passaram a pertencer aos povos indígenas de forma permanente com o direito exclusivo de usar as riquezas naturais. O texto também garantiu o Direito à diferença, o que rompeu o senso comum de que o indígena deveria abandonar sua cultura como forma de integração social.

Um ano depois, houve a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais em Estados Independentes, em Genebra, na Suíça. No evento, foi criado um tratado internacional para proteção dos direitos dos povos originários no cenário global, para substituir todos os tratados anteriores pautados em estigmas.

A partir de então novas iniciativas foram construídas. Por exemplo, o estado do Mato Grosso, onde vivem 195 etnias indígenas, segundo oCenso de 2022, foi pioneiro no país na educação dos povos originários. Em 1995, o estado criou o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena,que se tornou uma referência nacional na defesa de uma educação plural em consonância com a Constituição e a OIT.

Em 2001, a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) foi a primeira a estabelecer cursos superiores para formação de professores indígenas, o que deu origem à Faculdade Indígena Intercultural (FAINDI), sediada na universidade, que se tornou referência na América Latina.

Desde 2006, há iniciativas de povos como Suruí, Guajajara e das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) que buscaram parcerias e escutaram comunidades para planejamento de uma universidade indígena.

Uma proposta foi apresentada e aprovada na Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei), realizada em 2009, e reapresentada na segunda conferência, em 2018. Em 2019, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) também ressaltou a importância de uma universidade com esse perfil.

A criação do Grupo de Trabalho (GT) pelo MEC para viabilizar a criação da universidade ocorreu somente em 2024, ano em que o GT promoveu 20 seminários em todas as regiões do país, organizados pelo MEC, o MPI e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão indigenista oficial do Estado brasileiro.

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