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A pandemia e os dados de educação do IBGE e do Inep: fotografias desfocadas

Os cuidados necessários para o uso de dados disponibilizados pelo IBGE e pelo Inep

31/10/22 | Por Amélia Artes, Departamento de Pesquisas Educacionais, Fundação Carlos Chagas, São Paulo, SP, Brasil, aartes@fcc.org.br

Em Pauta. A pandemia e os dados de educação do IBGE e do Inep: fotografias desfocadas. Na imagem um gráfico com quatro barras verticais desenhadas com giz em uma lousa. Logo da Fundação Carlos Chagas

No último dia 16 de setembro, foram  divulgados os resultados de dois produtos do Inep: o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o Ideb (Indicador Nacional da Educação Básica). A reação com os resultados, inclusive pela própria Undime (União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação), demonstra o reconhecimento dos efeitos da pandemia na educação brasileira, em especial pelas dificuldades relacionadas à infraestrutura e conectividade ofertadas aos estudantes, a crise econômica e sanitária que atingiu de forma diferenciada  as regiões mais vulneráveis do país. Todo o contexto do período deve ser levado em conta e exige cuidados nos usos e divulgação dos resultados de avaliações externas.

Os cuidados no uso dos resultados do Ideb devem ser ainda maiores. Como esse indicador é usado como medida de qualidade da educação, que associa a taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Inep, os resultados apresentados em 2021 foram atingidos pelos efeitos diretos da pandemia. As taxas de aprovação da maior parte das redes e escolas seguiram as recomendações do Conselho Nacional de Educação (Parecer CNE/CP n: 6/2021), por meio do “replanejamento curricular considerando o contínuo curricular 2020-2021-2022” e “revisão dos critérios de promoção entre anos”. Dessa forma, as taxas de aprovação chegaram próximo de 100%. 

 Os dados disponibilizados pelo IBGE (Pnads) também podem e devem ser usados para a construção do contexto educacional pós-pandemia, com as ressalvas às diferentes metodologias de coleta e o cuidado na comparação entre anos. Já os dados do Inep (Saeb e Ideb) podem e devem ser utilizados para a elaboração de diagnósticos das escolas e das redes. Porém devem ser evitadas as comparações e ranqueamentos entre escolas, uma vez que os efeitos da pandemia impactaram a  realidade e afetaram a comparabilidade dos dados coletados.  Por exemplo, em novembro e dezembro de 2021, parte das escolas brasileiras ainda se encontrava em formato híbrido de atendimento. Também parte dos estudantes não voltou ao presencial. Dessa forma, algumas questões surgem nesse contexto: qual o perfil dos estudantes que não participaram do Saeb, em comparação com os anos anteriores? Seriam os mais vulneráveis? Na ausência dessas informações, não é possível comparar o perfil dos participantes entre os anos de 2019 e 2021.

São duas fotografias bem diferentes da educação brasileira. Em 2019, vários indicadores educacionais já eram impactados por marcadores de desigualdades: regionalidade, gênero, cor/raça, deficiências, educação urbana versus educação rural/quilombola/indígena, entre outros. Em  2021, a  fotografia mostra uma cena ampliada no que se refere às desigualdades, e acrescida de elementos que ferem ainda mais o  direito à educação. A  escola durante os anos de 2020 e 2021 mudou de espaço, de lógica de ensino-aprendizagem com a  intermediação das tecnologias, que restringiu o acesso de parte da população em idade escolar ao conhecimento. Superar esses efeitos nocivos ao desenvolvimento escolar envolve o uso adequado de evidências, ou seja, de dados, para produção de diagnósticos. Ademais, é preciso entender que há um tempo e um processo necessários  para que as redes de ensino e suas comunidades, como docentes e estudantes, retornem ao “ofício escola”, deteriorado pelo distanciamento físico, que marcou e mudou a nossa sociedade. 

A Fundação Carlos Chagas, com um histórico de mais de 50 anos de pesquisas, estudos e proposições que envolveram e envolvem as áreas de avaliação, políticas públicas, formação e trabalho docente, direitos sociais e relações etárias, de gênero e raciais, não poderia deixar de participar das reflexões sobre a educação e o ensino no período de pandemia de covid-19. Através de pesquisas realizadas desde o início desse período (Informe 1 e Informe 2), com professores do ensino básico, tanto os que atuam no ensino regular quanto os que atuam na educação especial (Informe 3), os estudos têm apontado os efeitos deletérios da pandemia na vida de estudantes brasileiros, aumentando as já existentes desigualdades de acesso, permanência e aprendizagem. 

Outras instituições do campo da educação também produziram uma série de estudos, em diferentes momentos da pandemia, cujos resultados evidenciam os vários desafios enfrentados pelas redes de ensino. Juntas, essas pesquisas explicitam um cenário complexo para os gestores diante da necessidade de mitigar os efeitos da pandemia na aprendizagem, bem como no abandono e na evasão escolar. Todas elas utilizaram metodologias adaptadas às circunstâncias, tais como questionários eletrônicos e entrevistas ou conversas virtuais, e envolveram diversos sujeitos: professores, gestores, famílias e estudantes. Os resultados refletem um panorama do contexto de cada período, limitado à perspectiva dos participantes que tinham acesso a um equipamento conectado à internet. O desenho metodológico permitiu que, a partir da análise dos dados obtidos, fosse possível conhecer, refletir e informar sobre as dificuldades enfrentadas, tanto as relacionadas à infraestrutura das escolas como as encontradas pelas famílias. Essas dificuldades se estendem desde as associadas às tecnologias, de recursos humanos, até aspectos emocionais e de insegurança alimentar. Toda informação cientificamente produzida diante do imponderado causado pela pandemia torna-se relevante, inclusive para a definição de estratégias de enfrentamento. O uso consciente das informações disponibilizadas, no cruzamento das pesquisas específicas, trazem caminhos para os desafios educacionais  ora existentes.

Saiba mais

Educação escolar em tempos de pandemia
Acesse todos os informes em https://www.fcc.org.br/fcc/educacao-pesquisa/contribuicoes-para-a-pesquisa-em-educacao-no-contexto-da-pandemia/

Abandono escolar e a pandemia no Brasil: efeitos nas desigualdades escolares
Leia o estudo em https://www.fcc.org.br/fcc/educacao-pesquisa/abandono-escolar-e-a-pandemia-no-brasil-efeitos-nas-desigualdades-escolares/

Sobre a autora
https://www.fcc.org.br/fcc/pesquisador/amelia-artes/

 

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