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Tese em Educação aponta que o Movimento Escola sem Partido contraria a ideia de escola enquanto espaço de formação   

Pesquisa analisa comparativamente os princípios do Movimento Escola sem Partido e o pensamento da filósofa Hannah Arendt e indica que o movimento confunde os espaços público e privado no processo educacional

06/12/22 | Por Luanne Caires

Cartaz com os dizeres: Prêmio CAPES de Tese 2022. Educação e Política: Escola sem Partido e o pensamento de Hannah Arendt. Mauro Sérgio da Silva. Menção honrosa na área de Educação. Fundação Carlos Chagas. A imagem tem fundo cinza, com texto centralizado em cinza e vermelho e duas linhas curvas vermelhas: uma no canto superior esquerdo e outra no canto inferior direito.

As discussões sobre aspectos políticos na sala de aula ganharam destaque na esfera pública nos últimos anos, principalmente devido à atuação de grupos como o Movimento Escola sem Partido (MESP). Contrário a práticas que considera como doutrinação política nas escolas, o movimento parece se aproximar de uma frase dita pela filósofa social alemã Hannah Arendt, em seu texto A crise na educação, de 1957: “A educação não pode desempenhar nenhum papel na política, porque na política se lida sempre com pessoas já educadas.” Foi com o propósito de entender as relações entre o pensamento de Arendt e o MESP que o pesquisador Mauro Sérgio Santos da Silva realizou sua tese de doutorado. A tese é uma das menções honrosas na área de Educação do Prêmio CAPES de Tese 2022, que premia as melhores teses do ano anterior em 49 áreas de conhecimento e conta com uma premiação adicional da Fundação Carlos Chagas nas áreas de Educação e Ensino. 

Uma das principais conclusões da pesquisa é que a diferenciação que Arendt faz entre política e educação não é um incentivo a uma educação sem reflexões políticas, mas sim uma estratégia para evitar que o campo educacional seja instrumentalizado por projetos partidários ou de governo. A análise de Mauro Sérgio aponta que o MESP, por outro lado, busca instituir uma educação sem caráter de formação, apenas de instrução, o que torna o professor um burocrata que transmite informações curriculares. A tese, orientada pelo professor Márcio Danelon, foi desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

A educação como integração de domínios

A partir do estudo da obra de Hannah Arendt, Mauro Sérgio conclui que os referenciais da autora mostram que a educação possui um papel importante na preparação de novos cidadãos, como forma de preservar a democracia e a cultura. 

Neste sentido, o aprendizado não se resume a valores da família nem ao instrumental para a inserção no mercado de trabalho, mas deve ser uma formação integral da pessoa, para que ela se insira no mundo. A educação assume um caráter pré-político, que começa na esfera privada da casa, mas que se prolonga para o domínio da escola, sendo composta por instrução e formação para o exercício de uma vida plena na esfera pública. 

Segundo Mauro Sérgio, o que se manifesta no MESP é uma separação entre a casa e a escola, o educar e o instruir. “Nas últimas décadas assistimos ao fortalecimento de um pensamento reacionário. No âmbito educacional, compreendo que este conservadorismo constitui-se em reação à ideia de escola como espaço-tempo de formação, com espaço de exercício e de construção de cidadania, de coletividade e socialização”, afirma o pesquisador.

A separação proposta pelo MESP tem uma direção oposta também às recomendações previstas na legislação educacional brasileira. Tanto o artigo 205 da Constituição Federal de 1988 quanto o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996) prevêem que as responsabilidades educacionais são compartilhadas entre o poder público e as famílias. A LDB expressa ainda que a educação, “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O Movimento Escola Sem Partido

O MESP surgiu em 2004, a partir da iniciativa do advogado Miguel Nagib, com o propósito de representar uma parcela da população que se considera contrária ao que classifica como doutrinação ideológica na sala de aula. Desde então, o movimento tem estimulado a judicialização da relação entre professores e alunos e estabelecido conexões com agentes políticos para a aprovação de uma nova lei reguladora da conduta e da expressão docente na escola. 

Mauro Sérgio avalia que, neste sentido, o movimento se converte em um projeto de politização, contrário a seu próprio pressuposto de apartidarismo. Ao defender a barreira entre as ideias que devem ser discutidas na esfera privada e aquelas que devem ser discutidas na escola, o MESP pretende que o espaço escolar assegure uma educação moral que seja compatível com a das famílias, o que transfere uma vontade privada para o domínio público.  

Atualmente tramita no Congresso o Projeto de Lei nº 246/2019, que institui o Programa Escola Sem Partido. Ele encontra-se apensado a outras propostas que tratam do mesmo assunto e passam por tramitação legislativa desde 2014.

Em um caso que discute princípios semelhantes, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a lei batizada de Escola Livre, do estado de Alagoas, que se baseava nos princípios do MESP e proibia a “doutrinação política e ideológica” nas salas de aula. A lei também afirmava que os pais tinham o direito de que seus filhos recebessem uma educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica. A decisão, de março de 2020, deve pautar análises de casos semelhantes no futuro. 

“As inúmeras mobilizações pela não interrupção das atividades escolares presenciais durante a pandemia de covid-19 corroboram o reconhecimento do caráter fulcral da educação escolar. O esforço dos pais e a parafernália tecnológica demonstraram-se insuficientes no período pandêmico, pois a escola possui papéis que transcendem o de mera transmissão de informação. A escola ensina, mas também educa e socializa na pluralidade e na diversidade”, contrapõe Mauro Sérgio.

Saiba mais:
Prêmio CAPES de Tese 2022
Instituído em 2005, o Prêmio Capes de Teses é concedido anualmente às melhores teses de doutorado defendidas e aprovadas nos cursos de pós-graduação reconhecidos pelo MEC. Desde 2012, a FCC soma esforços com a Capes na valorização de pesquisas em educação, oferecendo um prêmio adicional às teses das áreas de Educação e Ensino, vencedoras nas categorias de Melhor Tese e Menção Honrosa.

Educação e Política a partir do pensamento de Hannah Arendt: reflexões acerca do fenômeno “Escola sem Partido”  
Autor da tese: Mauro Sérgio Santos da Silva
Instituição: Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Programa de Pós-Graduação em Educação
Orientador: Marcio Danelon

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