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Tese discute o papel do tempo na educação e expõe uma mudança de foco da atenção para o interesse dos estudantes

A pesquisa analisou documentos históricos que tratam da dinâmica de aula e das funções do professor ao longo dos séculos e propõe reflexões sobre diferentes formas de ensinar e aprender

13/12/22 | Por Luanne Caires

Cartaz com os dizeres: Prêmio CAPES de Tese 2022. Educação e Política: Do tempo-atenção do estudo ao tempo-interesse do estudante. Maria Alice Campesato. Menção honrosa na área de Educação. Fundação Carlos Chagas. A imagem tem fundo cinza, com texto centralizado em cinza e vermelho e duas linhas curvas vermelhas: uma no canto superior esquerdo e outra no canto inferior direito.

A sala de aula historicamente é um espaço de apresentação do mundo e de formação de crianças e jovens para a vida em sociedade, mas os princípios que baseiam essa formação têm passado por transformações profundas, principalmente com a adoção de práticas pedagógicas inovadoras. A professora e pesquisadora Maria Alice Campesato, em sua tese de doutorado em Educação desenvolvida na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), demonstra que houve um deslocamento do tempo voltado à atenção do estudo para um tempo voltado ao interesse do estudante e, com isso, um aumento da dispersão, da aceleração e da fragmentação das informações e da própria aula.

A tese Do tempo-atenção do estudo ao tempo-interesse do estudante: uma arquegenealogia da aula foi desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Unisinos, sob orientação da professora Betina Schuler, e é uma das menções honrosas da área de Educação no Prêmio CAPES de Tese 2022, com o qual a Fundação Carlos Chagas tem parceria nas áreas de Educação e Ensino.

O professor: de condutor de condutas a facilitador da aprendizagem

O estudo de como a constituição da aula se modificou ao longo do tempo foi uma viagem ao passado feita por Maria Alice. Ela analisou mais de cinco mil páginas de 24 obras sobre o pensamento educacional, que abrangem desde a tradição greco-romana até os dias de hoje. 

No percurso, a pesquisadora notou que a preocupação com a formação moral das crianças e jovens era uma característica regular e constante até a época moderna — que, na tese, compreende o período entre os séculos 16 e 20. A figura do professor nesse sistema era essencial para a apresentação do mundo e a condução de condutas morais dos estudantes. Atualmente, com a adoção de práticas pedagógicas inovadoras — que se caracterizam pela centralidade no aluno, individualização, personalização do currículo, aprendizagem baseada em necessidades, e uso de tecnologias da informação e comunicação —, a formação se volta ao desenvolvimento de habilidades e competências, tais como inovação, solução de problemas e autorregulação. Como consequência, o professor passa a ser um tutor que seleciona as informações e facilita a aprendizagem conduzida pelos próprios estudantes. 

Para Maria Alice, a regularidade que por muito tempo caracterizou a função do professor permite olhar criticamente para alguns enunciados naturalizados no senso comum, como o de que “temos alunos do século 21, com professores do século 20 em uma escola do século 19”. A pesquisadora afirma que frases como essa evidenciam desconhecimento sobre a História e que o rompimento com as tradições retira as possibilidades de aprender com o que fomos e com as diferentes formas de organização escolar. 

“Enquanto professora da educação básica, percebo que esse regime discursivo que coloca a escola, os professores e a aula em defasagem frente ao modo de vida contemporâneo, contribui, também, para a entrada cada vez maior de um conjunto de práticas pedagógicas descoladas dos próprios contextos escolares. Muitas dessas práticas vêm carregadas de uma linguagem empresarial e estão voltadas para atender aos interesses do mercado. Pouco se discute, conforme o material analisado na pesquisa, sobre o aspecto formativo dos nossos estudantes”, complementa. 

O tempo: da atenção ao interesse

As mudanças na função do professor refletem alterações na constituição da aula. Segundo a tese, de um espaço de formação moral, a escola se torna um espaço de desenvolvimento de habilidades e competências, principalmente de gestão da informação, e começa a formar os estudantes para serem “empreendedores de si”. A leitura e a escrita deixam de ser atividades que fortalecem o autoconhecimento e a mudança perante o mundo, assumindo um caráter instrumental, que acompanha a velocidade acelerada do excesso de informações.

Nessa mesma linha, o tempo se desloca ao longo das tradições pedagógicas. Embora o ócio (o famoso tempo vago) seja visto de maneiras diferentes desde a tradição greco-romana até a modernidade, as atividades eram organizadas para que os estudantes dedicassem sua atenção a uma tarefa por vez. As práticas pedagógicas inovadoras estimulam a competência do multitasking, em que múltiplas atividades são realizadas ao mesmo tempo. Entre os efeitos dessa nova maneira de organizar o tempo para promover diferentes interesses e metas, estão a desatenção e a apatia quando a escuta é necessária. 

“Isso vem a provocar uma série de problemas, que vão desde angústia e frustração até adoecimentos psíquicos muito graves. Se hoje vivenciamos muitas crises decorrentes de um modo de vida pautado pela aceleração, pelo desenvolvimento a qualquer custo e pelo consumo desenfreado, e se tais questões ficam de fora do questionamento e da problematização no ambiente áulico, de qual educação estamos a falar?”, questiona Maria Alice. 

A aula: com tecnologia, mas também reflexões

Um olhar crítico para a aula em tempos de práticas pedagógicas inovadoras não significa fechar-se para a mudança e para a adequação tecnológica das escolas. A utilização de novos recursos digitais e a formação continuada de professores e gestores sobre o tema são vistas pela pesquisadora como necessárias para garantir uma formação de crianças e jovens preparados para os desafios da atualidade. 

Mas, segundo as análises apresentadas na tese, a aula também pode ser um espaço para romper com uma lógica utilitarista e pragmática, marcada pela produtividade. Para fazer isso, uma alternativa é a criação de rotinas e rituais áulicos, como espaços de escuta atenta e de fala respeitosa, momentos de estudo e de leitura silenciosa e a experimentação de outras maneiras de encontro consigo, com o outro e com o mundo. A construção dessas atividades pode ser feita a partir de combinados prévios com os estudantes, em um processo de colaboração que torna todos participantes ativos.  

Diante das possibilidades do experimentar, Maria Alice deixa um convite: “Quais os autores, que tipo de texto, que imagens, sons, aromas, sabores e texturas levarei para a aula e de que modo essas companhias irão provocar mudança no modo de ser de cada criança, jovem e adulto que ali está? Iniciar uma aula com um vídeo, uma música, uma imagem, a leitura de algum poema ou pequeno texto ou excerto, convocando os alunos a voltarem a atenção para algo outro que não a aceleração, pode ser um bom começo”. 

Saiba mais:
Prêmio CAPES de Tese 2022
Instituído em 2005, o Prêmio Capes de Teses é concedido anualmente às melhores teses de doutorado defendidas e aprovadas nos cursos de pós-graduação reconhecidos pelo MEC. Desde 2012, a FCC soma esforços com a Capes na valorização de pesquisas em educação, oferecendo um prêmio adicional às teses das áreas de Educação e Ensino, vencedoras nas categorias de Melhor Tese e Menção Honrosa.

Do tempo-atenção do estudo ao tempo-interesse do estudante: uma arquegenealogia da aula
Autora da tese: Maria Alice Gouvea Campesato
Instituição: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Programa de Pós-Graduação em Educação
Orientadora: Betina Schuler

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