Conexão e resistência: caminhos de reconhecimento por uma justiça epistêmica
Adriana Tolentino, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, detalha o conceito em construção e apresenta perspectivas decoloniais de conhecimento
Entre as invenções da humanidade e o surgimento da engenharia, da filosofia e de outras áreas do conhecimento, consegue imaginar quem foram as pessoas responsáveis por elas? Provavelmente, a imagem que vem à mente é a de um homem branco. Reflexos do imaginário construído socialmente são atravessados por aspectos de raça, gênero, sexualidade, deficiência, idade, etnia, entre outros fatores.
O processo de apagamento sistêmico e histórico das diversas contribuições na construção do conhecimento científico tem sido questionado a partir da perspectiva da justiça epistêmica, um conceito em construção. O debate surgiu no campo do Direito, especialmente em relação aos Direitos Humanos, mas tem tomado as Ciências Humanas e Sociais.
Adriana Tolentino Sousa, doDepartamento de Pesquisas Educacionaisda Fundação Carlos Chagas, detalha, em entrevista, a construção do significado desse termo. Para compreender a justiça epistêmica, de acordo com a pesquisadora, é preciso refletir acerca da injustiça epistêmica, que, nesse sentido, compreende o processo de exclusão histórica da produção e valorização do conhecimento.
Esse sistema de exclusão reflete as estruturas que estruturam as desigualdades de poder sustentadas pelo racismo, machismo e sexismo.
"O não reconhecimento das contribuições intelectuais de mulheres negras provoca o apagamento e dois problemas: o genocídio do pensamento negro, conceito de Abdias Nascimento, e o epistemicídio, na perspectiva der Sueli Carneiro. Isso quer dizer que se dizima e apaga quem fez algo. Quando isso cai sobre as mulheres negras, sobre as pessoas negras, não só torna suas contribuições invisíveis como se apaga do imaginário social a condição de um corpo negro produzir coisas grandiosas", afirma Adriana.
Ementrevista ao portal do Geledés - Instituto da Mulher Negra, Christen A. Smith, orientadora do doutorado-sanduíche de Adriana Tolentino na Universidade do Texas, comenta sobre a importância de se pensar a dualidade entre feminismo e racismo.
"As mulheres negras na América Latina têm sido extremamente excluídas dos debates contemporâneos e dos estudos latino-americanos negros. As questões de raça, gênero, sexualidade e região de origem (uma categoria inerentemente estratificada) contribuem para silenciar vozes de várias maneiras. A dualidade do racismo e do sexismo, – ambos desenfreados nas esferas acadêmicas da América Latina-, torna as mulheres negras invisíveis nessas pesquisas. Elas foram apagadas dos estudos sobre a população negra dada à estrutura tradicionalmente patriarcal do continente", afirma Christen em entrevista.
As contribuições das diversas nações africanas, ao longo da história, para o desenvolvimento cultural, econômico, político, científico, tecnológico e para o pensamento filosófico da humanidade foram apagadas, ao longo do tempo, pela disputa de poder empreendida no ocidente europeu-norte-americano.
Além de abordar propriamente o termo justiça epistêmica, também é preciso pensar estratégias de resistência e enfrentamento contra o sistema de apagamento.
“Precisamos nomear quem veio antes, nomear as mulheres e pessoas negras que produzem conhecimento. Repensar as estruturas estruturantes que invalidam e eliminam o conhecimento das populações minorizadas”, comenta Adriana.
Olhar para conseguir respostas sobre o apagamento da produção teórico-metodológica de mulheres, de negros e negras, dos povos originários, de pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+ e quaisquer outros grupos minorizados socialmente, representa a luta contra as hierarquias criadas que invalidam o conhecimento.
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