Crise climática intensifica vulnerabilidades e compromete o desenvolvimento na primeira infância, revela relatório
Estudo publicado pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) alerta para os efeitos do estresse térmico, migrações forçadas e insegurança alimentar na vida de bebês e crianças
Jade Castilho
27/10/2025 17:05:41
Quase 1 bilhão de crianças estão expostas a riscos climáticos extremos no mundo, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Com o objetivo de reunir evidências sobre os efeitos de eventos como secas, enchentes e poluição na saúde e no bem-estar infantis e oferecer subsídios para a formulação de políticas sobre o tema, o Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) elaborou o relatórioA primeira infância no centro do enfrentamento da crise climática.
Segundo o relatório, os impactos no desenvolvimento humano já começam na gestação e, na primeira infância, podem provocar doenças neurológicas, respiratórias, infecciosas e desnutrição. Com o aumento da temperatura global, crianças e bebês enfrentam dificuldades de regulação da temperatura corporal, têm menos oportunidades de brincar, socializar e aprender, comacesso menor à educação infantil de qualidadee cuidados com a saúde, segundo o estudo do NCPI.
Os especialistas alertam para como o calor extremo prejudica a concentração e o desempenho escolar e, além disso, como eventos climáticos danificam infraestruturas de escolas, elevando o risco de abandono dos estudos.
Além do contexto individual, os efeitos da crise climática se estendem aos parentes e familiares, gerando um cenário que fragiliza o vínculo de bebês e crianças com seus cuidadores, de estresse para seus responsáveis, de perda de moradia e deslocamento forçado por conta de desastres climáticos, entre outros.
Em 2024, como aponta o relatório, cerca de 1,18 milhão de crianças e adolescentes tiveram as aulas suspensas no Brasil, principalmente por alagamentos. Um dos casos de maior repercussão no país foramas enchentes no Rio Grande do Sul.
Efeitos desiguais
A vulnerabilidade aos efeitos da crise climática é maior entre crianças negras e indígenas, já que eventos extremos intensificam desigualdades estruturais desde a gestação até a fase adulta.
Para abordar essas intersecções e estruturas que reproduzem desigualdades, o NCPI retoma dados da pesquisa Escola+Natureza, realizada pelo Instituto Alana, que apontou que cerca de 8,1 milhões de crianças entre zero e seis anos estão em situação de pobreza ou extrema pobreza no Brasil. Dessas, 33,6% integram famílias monoparentais, chefiadas por mulheres negras sem ensino médio completo.
O recorte evidencia como a vulnerabilidade vivenciada por determinadas populações é agravada por um entrelaçamento de diferentes fatores, como raça, gênero, etnia, nível econômico, condições de moradia e acesso a serviços de saúde e educação.
Crianças negras, indígenas e moradoras das regiões Norte e Nordeste, por exemplo, estão entre as mais afetadas pela crise climática e a insegurança alimentar, um reflexo do racismo ambiental, em que impactos negativos de contextos políticos, econômicos e urbanos, como a falta de saneamento, exposição à poluição ou riscos climáticos, recaem primariamente sobre populações negras, indígenas e periféricas.
Recomendações à gestão pública
Proteger os direitos das crianças e promover um desenvolvimento integral exige que elas sejam prioridade no orçamento público e nas políticas climáticas, com escuta às famílias e implementação de ações que considerem o combate às desigualdades ea promoção da equidade.
Conforme aponta o relatório elaborado pelo grupo de pesquisadores, é necessário atuar simultaneamente em diferentes áreas no enfrentamento da crise climática no tocante ao desenvolvimento da primeira infância, em setores como saúde e assistência social, urbanismo e educação infantil.
Especialmente em relação à educação infantil, o estudo propõe a elaboração de protocolos para continuidade do atendimento de creches e pré-escolas após desastres climáticos, a climatização adequada nas escolas e creches e o desenvolvimento de atividades lúdicas e materiais didáticos acessíveis, que considerem as diversidades culturais do país e ajudem as crianças a compreender as mudanças climáticas.
Por fim, a pesquisa ainda reforça a necessidade de secapacitar professores e os cuidados para atuarem como multiplicadores de práticas sustentáveisno ambiente escolar.
Confira o relatório completoaqui.